“O Grito que Morava na Estante”, de Tiago Alvim Neto, é uma narrativa instigante que mistura elementos de suspense psicológico e reflexão existencial. A obra acompanha a jornada de um protagonista solitário que, ao reorganizar sua estante de livros, se depara com um som estranho – um grito abafado, contido entre as páginas de um velho volume esquecido. Esse encontro misterioso desencadeia uma busca interna e simbólica por verdades escondidas dentro de si mesmo.
O grito, longe de ser apenas um elemento sobrenatural ou bizarro, representa aquilo que foi silenciado: traumas, lembranças, dores e sentimentos reprimidos ao longo dos anos. A estante, por sua vez, torna-se metáfora da mente humana – compartimentada, organizada à força, mas cheia de espaços empoeirados onde habitam as emoções não resolvidas.
À medida que o protagonista tenta identificar a origem do grito, ele mergulha em um processo de redescoberta pessoal. Os livros – com suas histórias, trechos e anotações – passam a dialogar com sua própria história de vida. Trechos literários parecem falar diretamente com ele, desvelando conexões entre ficção e realidade, e transformando a leitura em um espelho de sua alma.
Tiago Alvim Neto trabalha com uma linguagem densa, mas fluida, com passagens que combinam introspecção poética e tensão crescente. O autor brinca com a noção de tempo, alternando passado e presente, memórias e acontecimentos imediatos. A leitura se torna quase labiríntica, pois quanto mais o protagonista procura pelo grito, mais ele se perde em si mesmo.
A atmosfera do livro é marcada por um sentimento de inquietação constante. O silêncio da casa, a solidão do personagem e o peso dos livros criam um ambiente sufocante, que reflete a pressão interna de quem precisa confrontar seus próprios fantasmas. O grito torna-se, então, símbolo daquilo que clama por ser ouvido: a necessidade de enfrentar aquilo que foi deixado para trás.
O enredo evolui não por grandes reviravoltas externas, mas por descobertas internas. Cada capítulo é uma peça do quebra-cabeça que revela aspectos da dor, da culpa e da tentativa de redenção do personagem. A estante vai se tornando menos um móvel e mais um portal para a consciência.
No ápice da história, o protagonista finalmente entende que o grito nunca esteve nos livros em si, mas nele próprio. O som era a expressão sufocada de tudo o que não conseguia dizer ou viver. Esse reconhecimento traz alívio, mas também um tipo de luto – o luto pelas partes esquecidas de si mesmo.
O final de “O Grito que Morava na Estante” é ao mesmo tempo melancólico e libertador. A dor permanece, mas agora pode ser nomeada, reconhecida e, aos poucos, curada. A estante deixa de ser um túmulo de vozes caladas e se torna um lugar de escuta e memória. É um convite à reconciliação com aquilo que guardamos em silêncio.
Tiago Alvim Neto entrega uma obra sensível e perturbadora, que fala sobre o poder das palavras – as ditas e as não ditas – e sobre o quanto precisamos escutar a nós mesmos. Um livro que transforma o ato da leitura em um mergulho profundo no que nos forma e nos fere.