“A Estrada de Damasco”, de Marcos Leite Cunha, é uma obra que mescla literatura e espiritualidade, tomando como base a famosa conversão de Saulo de Tarso, figura bíblica que mais tarde se tornaria o apóstolo Paulo. O romance, embora inspirado em um episódio religioso clássico, é reinventado com liberdade poética e reflexões contemporâneas sobre fé, redenção e identidade.
A narrativa acompanha a trajetória de um personagem moderno, chamado Elias, um homem de meia-idade, bem-sucedido profissionalmente, mas espiritualmente vazio. Sua vida começa a ruir após uma série de eventos inesperados: o fim de um casamento, a perda do pai e uma crise de ansiedade que o leva a um retiro espiritual no interior da Síria — local simbólico e literal da chamada “estrada de Damasco”.
No deserto sírio, Elias enfrenta não apenas o silêncio do lugar, mas os ruídos interiores que sempre evitou. A viagem é tanto geográfica quanto metafísica. Marcos Leite Cunha conduz o leitor por uma jornada de desconstrução: Elias precisa se despir das certezas que sempre o guiaram para encontrar um novo sentido para a existência.
O autor utiliza a metáfora da estrada como espaço de travessia, não apenas física, mas emocional e espiritual. O percurso do protagonista é pontuado por encontros com personagens enigmáticos — um monge cristão ortodoxo, uma jovem refugiada e um ex-militar que abandonou as armas para cultivar oliveiras. Cada um representa um aspecto da busca humana por sentido e paz.
Com uma escrita lírica e introspectiva, Cunha alterna entre cenas contemplativas e intensas epifanias. O uso de trechos bíblicos é cuidadoso e simbólico, jamais dogmático. “A Estrada de Damasco” não pretende converter, mas provocar: o que significa, hoje, cair do cavalo e recomeçar? O que é perder a visão do mundo para enxergar algo mais profundo?
A conversão de Elias não é súbita, como a de Saulo, mas processual. Passa por dor, silêncio, resistência e, enfim, rendição. O livro trata de perdão, especialmente o autoconcedido, e da possibilidade de transformação mesmo quando tudo parece tarde demais. A estrada, nesse sentido, é também um convite ao leitor: caminhar para dentro de si mesmo.
Além da dimensão espiritual, a obra também oferece uma crítica ao mundo contemporâneo, onde velocidade, produtividade e aparência obscurecem o verdadeiro encontro com o ser. Elias representa o homem moderno, cansado de si, à procura de algo que transcenda o material e o previsível.
No desfecho, Elias retorna à sua vida com um novo olhar. Não se torna outro, mas aprofunda-se em quem sempre foi. A estrada de Damasco, portanto, não é fim, mas começo. Marcos Leite Cunha entrega ao leitor um romance sereno, reflexivo, que ressoa muito além da última página.
“A Estrada de Damasco”, de Marcos Leite Cunha, é uma leitura envolvente para quem busca uma ficção que dialoga com espiritualidade sem perder densidade literária. Uma narrativa sobre quedas, silêncios e recomeços — tão necessária quanto a própria travessia da alma.