Canção para Três Invernos de João Elias Prado é uma obra que combina prosa e poesia para narrar a jornada de Miguel, um homem de meia-idade que reflete sobre três momentos cruciais de sua vida, cada um representado por um “inverno” – metáforas para períodos de introspecção, perda e renovação. Ambientada em uma cidade pequena do interior de Minas Gerais, uma narrativa mergulhadora na alma do protagonista, explorando temas como memória, redenção e a busca por significado em meio às adversidades. O título sugere uma melodia que une esses três invernos, como se a vida de Miguel fosse uma canção marcada por pausas e reinícios.
Miguel, o protagonista, é uma arte que trabalha com madeira, moldando objetos que carregam histórias de sua família e de sua terra. O primeiro “inverno” da narrativa remonta à sua juventude, quando perdeu seu irmão mais velho, Antônio, em um acidente trágico. Esse evento marca Miguel com um sentimento de culpa e o leva a se isolar, abandonando seus sonhos de estudar música na cidade grande. A autora usa características específicas do inverno mineiro – frio, seco e silencioso – para refletir o vazio emocional que Miguel carrega.
O segundo “inverno” ocorre na fase adulta de Miguel, quando ele enfrenta a dissolução de seu casamento com Clara, uma mulher que trouxe cor à sua vida, mas cuja relação não resistiu às pressões do cotidiano e às cicatrizes do passado de Miguel. Nesse período, ele começa a escrever poemas, que chama de “canções”, em um caderno velho, como forma de processar sua dor. Esses poemas, que aparecem ao longo do livro, são breves e carregados de imagens da natureza, como o vento gelado e as árvores despidas, simbolizando sua própria vulnerabilidade.
A narrativa avança para o terceiro “inverno”, ambientado no presente, quando Miguel, agora mais velho, recebe a notícia de que sua filha, Ana, com quem perdeu contato após os relatórios, está doente. Esse evento o força a confrontar suas escolhas passadas e a buscar a reconciliação. A jornada de Miguel para encontrar Ana ou leva a viajar pelo interior de Minas, revisitando lugares de sua infância e encontrando velhos amigos que o ajudem a enxergar sua vida sob uma nova perspectiva. A autora usa esses encontros para explorar a importância da comunidade e da memória coletiva.
Uma personagem secundária importante é Dona Rosa, uma antiga que Miguel conhece em sua viagem. Dona Rosa, com sua sabedoria simples, compartilha histórias de sua própria vida, marcadas por perdas e superações, e ensina Miguel a encontrar beleza em momentos de dificuldade. Ela lhe diz que “cada inverno tem sua canção”, uma frase que ressoa ao longo da narrativa e dá ao livro seu tom esperançoso. A relação entre os dois é um dos pontos altos da obra, destacando a força das conexões humanas.
A música desempenha um papel central na história, não apenas nos poemas de Miguel, mas também nas específicas de festas juninas, serestas e canções populares que permeiam a cultura mineira. João Elias Prado entrelaça essas referências culturais com a narrativa, criando uma atmosfera nostálgica que evoca a simplicidade e a profundidade da vida no interior. Os “três invernos” são, em parte, uma homenagem às tradições orais e musicais que moldam a identidade dos personagens.
Ao longo do livro, Miguel enfrentou o desafio de perdoar a si mesmo pelos seus erros do passado. Cada inverno representa não apenas uma fase de sua vida, mas também uma oportunidade de transformação. A autora usa a metáfora das estações para explorar como os momentos de frio e a introspecção podem levar a novos começos, assim como o inverno precede a primavera. A escrita de Prado é marcada por uma prosa lírica, com passagens que lembram a poesia de Adélia Prado, especialmente na forma como capta a espiritualidade e a simplicidade do cotidiano.
No clímax da narrativa, Miguel reencontra Ana e descobre que ela herdou seu amor pela música, tocando violão em um pequeno grupo local. Esse reencontro é agridoce, pois Ana está fragilizada, mas também é um momento de redenção, quando Miguel percebe que sua “canção” – sua história – pode continuar através da filha. A cena final, em que pai e filha tocam juntos sob um céu de inverno, é descrita com delicadeza, simbolizando a reconciliação e a esperança.
Canção para Três Invernos é uma obra sobre a resiliência do espírito humano e a capacidade de encontrar beleza nos momentos mais difíceis. João Elias Prado cria uma narrativa que celebra as raízes mineiras, a força da música e a possibilidade de renovação, mesmo após os invernos mais rigorosos. O livro é um convite à reflexão sobre como as perdas moldam quem somos, mas também como as canções – sejam elas poemas, memórias ou melodias – podem nos guiar para a luz.