“Contos Novos”, publicado postumamente em 1947, é uma coletânea que reúne alguns dos últimos escritos de Mário de Andrade, autor essencial do modernismo brasileiro. A obra exibe a maturidade literária do escritor, marcada por um olhar crítico sobre o Brasil urbano e humano, com forte carga psicológica e existencial.
Os contos são variados em temas e estilos, mas compartilham uma linguagem mais contida, introspectiva e reflexiva, contrastando com o tom vanguardista e experimental de outras obras do autor. A preocupação com o drama interior dos personagens se torna central, revelando angústias cotidianas, solidões e dilemas morais.
Entre os contos mais conhecidos, está “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”, que apresenta um protagonista metódico e simbólico, numa crítica velada à racionalização excessiva da vida. A personagem busca equilíbrio num mundo desordenado, revelando a tensão entre o intelecto e a sensibilidade.
Outro destaque é “Frederico Paciência”, onde Mário de Andrade retrata a sensibilidade de um homem que sofre por não se encaixar no modelo masculino dominante da sociedade. Há aqui uma sutil abordagem da repressão emocional e da não aceitação das diferenças, antecipando debates contemporâneos sobre identidade e sensibilidade masculina.
Em “Atrás da Catedral de Ruão”, um dos contos mais aclamados do livro, o autor constrói uma narrativa de grande densidade emocional. Ambientado fora do Brasil, o conto se debruça sobre o conflito entre o desejo e a culpa, amor e convenção social, refletindo sobre o comportamento humano com lirismo e tragédia.
“Primeiro de Maio” traz uma forte crítica social, mostrando a desigualdade entre classes e o distanciamento entre o povo e as elites, ainda que de forma sutil. A narrativa curta serve de espelho para a hipocrisia das homenagens vazias e do desprezo pela condição real dos trabalhadores.
A coletânea como um todo é marcada por uma prosa poética, com frases densas e introspectivas. Mário de Andrade se afasta da exuberância modernista e mergulha numa literatura mais contida, revelando um amadurecimento pessoal e artístico, ao mesmo tempo em que mantém a crítica social e humana.
O título “Contos Novos” é, de certa forma, irônico, pois os textos não são necessariamente “novos” no sentido revolucionário, mas sim no aprofundamento psicológico e no tom mais maduro e filosófico. Eles representam um novo momento na trajetória do autor — mais amargo, mas também mais profundo.
Com “Contos Novos”, Mário de Andrade reafirma seu lugar como um dos grandes nomes da literatura brasileira. A obra, embora breve, oferece um retrato sensível e multifacetado do ser humano em crise, revelando as contradições da alma, os limites da razão e as dores silenciosas do cotidiano.