Em “Entre a Névoa e o Espelho”, Catarina Borges Lima entrega uma obra de profunda introspecção psicológica e lirismo narrativo, onde a atmosfera rarefeita e melancólica serve de pano de fundo para a jornada emocional e existencial de uma mulher que se encontra à deriva entre lembranças fragmentadas, medos não nomeados e reflexos distorcidos de si mesma. A névoa, presente desde as primeiras páginas, é mais do que um fenômeno climático: ela encarna a indecisão, o esquecimento, o passado velado e os sentimentos mal resolvidos. A protagonista — cujo nome nunca se impõe com clareza, como se também ela estivesse em constante dissolução — caminha por entre memórias nebulosas, encontros fugidios e silêncios densos, sempre em busca de algo que nunca se mostra por inteiro.
O espelho, por outro lado, é símbolo da autoimagem dilacerada, das verdades desconfortáveis que evitamos encarar. Cada cena diante de um espelho revela um novo estranhamento, uma recusa, um reconhecimento tardio. A narrativa se recusa a seguir uma linearidade convencional: ela avança e recua como a própria memória, deixando o leitor imerso em fragmentos, passagens que se repetem com nuances distintas, e diálogos em que o que não é dito ecoa com mais força do que as palavras pronunciadas. A escrita de Catarina Borges Lima transita entre o poético e o dolorosamente direto, tecendo uma tapeçaria de sensações — ora delicadas, ora cruéis — que envolvem o leitor num tipo de hipnose emocional.
Ao longo do romance, percebemos que a protagonista está em processo de reconstrução, ou talvez de destruição necessária, como quem derruba uma casa para reaprender a morar em si mesma. Há personagens secundários — um irmão calado, uma amiga desaparecida, um amor antigo, uma senhora solitária — que entram e saem da narrativa como sombras, como se fossem manifestações de partes da psique da própria narradora, ampliando a sensação de que tudo ali é interno, tudo acontece dentro. O mundo exterior importa pouco; o que está em jogo é a luta para compreender-se num tempo em que o passado pesa mais do que o presente e em que o futuro é apenas uma ideia turva.
No final, Entre a Névoa e o Espelho não oferece respostas definitivas, tampouco redenções fáceis. Ao contrário, ele desafia o leitor a suportar o desconforto da dúvida, a aceitar que nem toda história se resolve, que há dores que não se explicam, apenas se sentem. Catarina Borges Lima entrega um romance atmosférico, sensorial e profundamente humano, que convida à contemplação lenta e à escuta interior. Um espelho diante da névoa que nos habita.