“As Meninas”, romance escrito por Lygia Fagundes Telles e publicado em 1973, é uma obra central da literatura brasileira contemporânea, que mistura crítica social, introspecção psicológica e experimentação narrativa. Ambientado durante a ditadura militar no Brasil, o livro acompanha a vida de três jovens universitárias que vivem em um pensionato feminino em São Paulo.
As protagonistas – Lorena, Lia e Ana Clara – vêm de mundos muito diferentes, mas compartilham o espaço e os conflitos de uma juventude em ebulição. Lorena é uma jovem da elite, católica e sonhadora, que vive em um universo de ilusões e fantasias. Lia é uma militante política, engajada na luta contra o regime ditatorial. Ana Clara, por sua vez, vem de uma origem humilde e vive à margem, envolvida com drogas e marcada por uma infância difícil.
O romance é construído por meio de uma narrativa fragmentada e polifônica, alternando os pontos de vista das três personagens. Essa estrutura permite ao leitor mergulhar na subjetividade de cada uma delas, revelando não apenas os fatos de suas vidas, mas também seus medos, traumas, desejos e contradições.
Lygia Fagundes Telles utiliza uma linguagem introspectiva, rica em imagens e variações de fluxo de consciência. As transições entre as vozes ocorrem de forma fluida, muitas vezes sem indicação explícita, o que contribui para o tom intimista e psicológico da narrativa. A autora não oferece respostas fáceis, mas apresenta um retrato complexo do feminino e da juventude.
A amizade entre as três meninas é atravessada por cumplicidades e tensões. Elas se observam, se apoiam, mas também se confrontam, revelando as diferentes formas de ser mulher em uma sociedade marcada pela repressão, pela desigualdade e pelo conservadorismo. O pensionato torna-se, assim, um microcosmo da sociedade brasileira da época.
Ao longo da obra, temas como sexualidade, religião, política, maternidade e identidade são abordados com profundidade. Cada personagem lida com o peso de suas escolhas e a pressão de um mundo que tenta moldá-las. A repressão do regime militar aparece como pano de fundo constante, afetando direta ou indiretamente a trajetória das três.
“As Meninas” é também uma crítica à hipocrisia da elite, à violência de gênero e à alienação social. A figura da mulher, antes passiva e silenciada, aqui ganha voz múltipla e potente. O romance revela o íntimo das personagens como forma de resistência e denúncia.
A trajetória de Ana Clara tem um desfecho trágico, reforçando a brutalidade das estruturas sociais que condenam os mais vulneráveis. Já Lorena e Lia, apesar de seus caminhos distintos, seguem tentando encontrar sentido em um mundo hostil. A obra não fecha com certezas, mas com a inquietude da juventude.
Com “As Meninas”, Lygia Fagundes Telles constrói uma obra-prima da literatura brasileira, ao mesmo tempo lírica e política, pessoal e coletiva. É um retrato sensível e feroz de uma geração perdida entre o sonho e a repressão, entre o desejo de transformação e a solidão interior.