Nesta obra, Antonio Scurati parte de um rigoroso levantamento histórico para narrar a ascensão de Benito Mussolini e a transformação da Itália no período entre 1919 e 1925. O autor classifica o livro como “romanzo documentario”, misturando ficção com fonte documental para retratar não apenas os fatos, mas o clima de uma época. A narrativa dá voz ao próprio Mussolini em muitos trechos, permitindo ao leitor adentrar seus pensamentos e motivações, bem como as contradições e contrapesos que o ambiente político da época impunha.
Scurati descreve um país devastado pela Primeira Guerra — com a democracia liberal fragilizada, o sistema político em crise e os ex‑combatentes descontentes — o cenário propício para o surgimento de movimentos radicais. Ele mostra como Mussolini aproveita a insatisfação popular, o carisma e a violência política para fundar, em março de 1919, os Fasci Italiani di Combattimento, que logo evoluiriam para o partido fascista. No percurso, o autor não se limita ao “grande homem”: destaca também figuras secundárias, partidos liberais e socialistas, militantes, jornalistas e amas‑de‑casa — todos parte da engrenagem que torna possível o fascismo.
Um dos eixos centrais é a violência como método político: o uso dos “arditi” e das milícias para impor autoridade, intimidação e propaganda. Scurati mostra como a legalidade liberal cedera lugar à brutalidade organizada e aos meios extralegais para construir poder. Além disso, ilustra com detalhes a crise dos partidos tradicionais — o liberalismo que cedeu, o socialismo que se fragmentou — como fator que acelerou o vácuo de poder e a irrupção autoritária.
Outro tema marcante é a sedução do poder. Mussolini surge como estrategista, orador, showman e manipulador de símbolos — ele cria neologismos, apropria‑se de mitos e constrói uma imagem pública forte. Scurati permite ao leitor assistir à gestação do “mito” Mussolini: de agitador à figura central da nação, exaltado por muitos e temido por outros. A narrativa mostra que o fenômeno fascista não foi apenas político, mas sociocultural.
O livro também não evita mostrar as ambiguidades do protagonista e o custo para a sociedade: o apoio de massas, a cumplicidade silenciosa, a ascensão por meio da conformidade de muitos. Scurati insiste no fato de que a história do fascismo é também — e talvez sobretudo — a história daqueles que permitiram, endossaram ou ignoraram o processo. Ele desafia o leitor a considerar como “poderia ter acontecido aqui”, ou em outro contexto, levantando ecos que ressoam em tempos contemporâneos.
Em termos de estrutura, o romance divide‑se por anos, por localizações, por personagens, alternando narrativa ficcional com excertos documentais e fontes de época. Essa forma reforça a tensão entre ficção e fato, o que para alguns críticos torna a leitura mais exigente, menos leve. A proposta de Scurati vai além de entreter: pretende educar, alertar, registrar — reinventar a narrativa histórica para leitores de hoje.
Ao término, o leitor sai com uma compreensão profunda de como uma combinação de crise social, fragilidade institucional, liderança carismática e apelo popular pode gerar transformações dramáticas. A obra de Scurati nos lembra que ditaduras não nascem no vácuo — elas se constroem com participação coletiva e consentimento tácito. É um convite à vigilância cívica, à memória e ao questionamento dos modelos de poder.

