O livro Uma História do Samba, de Lira Neto, traça a trajetória do samba desde suas raízes africanas até sua consolidação no Rio de Janeiro urbano. O autor detalha como o ritmo chegou ao Brasil trazido pelos negros africanos e se transformou ao longo do tempo. Ele mostra a mistura de ritmos africanos com influências europeias e elementos culturais locais. O samba surge como expressão de resistência e identidade negra, especialmente após a abolição da escravatura. A obra destaca a complexidade histórica do gênero, com atenção aos detalhes sociais e culturais.
O samba nasceu em contextos de marginalidade, em favelas e cortiços do Rio de Janeiro. Lira Neto explica que muitos dos primeiros sambistas enfrentavam preconceito e repressão policial. A música era uma forma de sobrevivência e afirmação cultural. Ela carregava mensagens de dor, alegria e resistência social. O autor mostra que, mesmo em situação difícil, o samba se consolidava como espaço de sociabilidade e identidade coletiva.
O crescimento urbano do Rio de Janeiro no início do século XX influenciou diretamente a evolução do samba. A cidade recebeu migrantes e formou comunidades negras que preservavam e adaptavam tradições musicais. Festas de rua e encontros comunitários serviam de palco para o desenvolvimento do gênero. O samba começou a ser mais conhecido e a circular para além dos bairros pobres. Esse processo marcou a transição do samba de manifestação marginal para expressão popular.
Com a popularização do rádio e do disco, o samba alcançou o público nacional. Artistas e compositores começaram a se tornar figuras reconhecidas em todo o país. Lira Neto mostra como a indústria fonográfica e a radiodifusão ajudaram a consolidar o samba como gênero musical. O mercado da música contribuiu para a profissionalização de sambistas e para a criação de novos estilos. Essa transformação trouxe visibilidade, mas também desafios ligados à exploração econômica e às expectativas do público.
O autor problematiza a narrativa heroica do samba, revelando conflitos entre compositores e disputas internas. Muitos mitos sobre os pioneiros do gênero foram construídos posteriormente. Ele evidencia que a realidade incluía exploração, traições e desigualdade social. O samba cresceu na contradição entre exclusão e popularidade. Essa abordagem realista mostra que o gênero sempre foi expressão de luta e criatividade, mesmo em condições adversas.
O livro também analisa a relação entre o samba e o espaço urbano. Remoções de cortiços, políticas higienistas e segregação racial moldaram a geografia social do Rio de Janeiro. O samba floresceu nos morros e periferias, criando vínculos comunitários e formas próprias de expressão cultural. Lira Neto mostra como o espaço físico influenciou a música e a vida social dos sambistas. O autor evidencia a importância do contexto urbano na consolidação do gênero.
O processo de “domesticação cultural” também é discutido. Conforme o samba ganhava prestígio, passou a ser moldado pelas expectativas da classe média e do mercado musical. Essa adaptação trouxe visibilidade e aceitação social, mas diluiu aspectos originais e contestadores da música. Lira Neto ressalta a tensão entre autenticidade e popularidade. O samba tornou-se símbolo nacional, mantendo, porém, a memória de sua origem marginal e afro-brasileira.
Por fim, a obra convida à reflexão sobre identidade e cultura brasileiras. O samba é retratado como expressão de resistência, mestiçagem e criatividade. Lira Neto demonstra que sua história reflete desigualdade, luta e celebração coletiva. O livro evidencia que o samba é mais que música: é parte da alma social do Brasil. “Uma História do Samba” é leitura essencial para compreender a evolução cultural e histórica do país.

