O Missionário, de Inglês de Sousa, narra a vida do jovem padre Antônio de Morais, enviado para a pequena vila de Silves, na Amazônia, com a missão de catequizar a população local. Ele espera trazer luz espiritual a um povo isolado, sentindo a grandiosidade da floresta como um cenário propício à sua vocação. No entanto, seu ideal sacerdotal é logo confrontado pela dureza do ambiente amazônico, tão diferente das catedrais ornamentadas que ele imaginava. A descrição da paisagem amazônica é rica e simbólica, retratando árvores, rios e selvas como parte de um templo natural. Essa ambientação reflete a magnitude da natureza e o isolamento emocional do padre.
Cansado da rotina e motivado por desejo de exercer poder moral, Antônio decide explorar as matas e parte em missão aos índios mundurucus, acompanhado inicialmente pelo sacristão Macário. Essa viagem ao interior revela o contraste entre a fé idealizada e a crueza da selva tropical. Em meio à jornada, ele adoece gravemente e encontra refúgio na casa de João Pimenta, um homem simples que o acolhe com hospitalidade. No sítio de Pimenta, ele conhece Clarinha, neta dele, uma jovem mameluca de forte presença e sensualidade. A convivência próxima durante sua recuperação revela o conflito interno entre seus votos e impulsos humanos.
Padre Antônio, fragilizado pela doença e emocionalmente vulnerável, começa a admirar Clarinha não apenas por sua beleza, mas pela vitalidade de seu espírito. Ele se vê atraído por ela de forma intensa, e sua resistência moral começa a vacilar. O isolamento da selva, o calor dos trópicos e o convívio íntimo favorecem o surgimento de desejos proibidos. Esse processo revela a fragilidade do celibato quando testado por instintos naturais e pela presença feminina sedutora. A tensão entre sua fé e seus impulsos cresce, tornando-se insustentável.
Enquanto luta com seus sentimentos, Antônio idealiza-se como um grande missionário, imaginando a floresta virgem como uma catedral criada por Deus, onde ele seria pontífice e guia espiritual de um povo novo. Ele enxerga a imensidão da selva como um templo vivo, com árvores altíssimas servindo de colunas, rios como corredores e pássaros como corais divinos. Esse ideal poético contrasta com sua vulnerabilidade moral: a grandiosidade da natureza fortalece tanto sua missão quanto suas tentações. O padre acredita que seu sacrifício será oferecido nessa “igreja natural”.
Contudo, a proximidade de Clarinha o seduz cada vez mais, e a resistência de Antônio começa a ceder. Ele se permite pensar em uma vida diferente, onde a castidade cede espaço ao amor terreno. A convivência íntima torna-se inevitável, e ele começa a experimentar a culpa, a vergonha e a tensão entre seu papel religioso e seus desejos. A tensão moral da narrativa mostra como a natureza humana, mesmo no homem ungido por Deus, pode ser irresistível quando colocada à prova. A queda do missionário parece cada vez mais possível.
Quando retorna a Silves acompanhado de Clarinha, Padre Antônio é recebido pela população como um herói dedicado, sem que ninguém suspeite de sua transgressão moral. A duplicidade entre sua imagem pública de santo e sua realidade íntima de pecado revela a hipocrisia social. Inglês de Sousa critica, por meio dessa situação, a moral religiosa e a capacidade das instituições de mascarar falhas humanas. A reputação do padre prospera enquanto seus conflitos internos permanecem ocultos. Essa contradição fundamenta a denúncia naturalista presente no romance.
O autor também evidencia a influência do meio ambiente sobre o comportamento humano: a selva, o isolamento, a alimentação, o calor intenso e os costumes regionais moldam a personalidade de Antônio. Ele mostra que o padre não é apenas vítima de desejo, mas produto de seu meio, levantando a tese determinista típica do naturalismo literário. A floresta e a sociedade amazônica não são cenários neutros, mas forças que determinam ações e escolhas. Essa visão reforça a noção de que homem e natureza interagem profundamente, e que a moralidade individual é profundamente afetada pelo contexto.
Por fim, O Missionário se apresenta como um romance de tese: Inglês de Sousa usa a história para refletir sobre a dualidade entre vocação sacerdotal e instintos naturais, revelando a fragilidade da fé diante da carne. A obra questiona com sobriedade a moral religiosa, a hipocrisia social e os limites do autocontrole quando confrontados com a paixão. Ele sugere que, mesmo entre os mais dedicados, instintos humanos fundamentais tendem a triunfar sobre compromissos ideais. É uma narrativa intensa, crítica e profundamente humana, que expõe a luta entre o espiritual e o terreno no coração de um homem.

