Deserama acompanha a vida de Jonathan, um jovem da classe média empobrecida de Niterói, marcada por tensões e conflitos silenciosos que vão além da pobreza material. Ele cresce em um ambiente familiar onde a homofobia é velada, ou seja, não expressa de forma explosiva mas presente nas atitudes, nas palavras não ditas e no julgamento implícito. Desde cedo, esse ambiente impõe a ele uma espécie de dissonância entre quem ele é ou sente que é e quem precisa aparentar ser para se encaixar.
No colégio, Jonathan sofre bullying, experiências que acentuam sua sensação de isolamento e desacordo com o coletivo. Ele percebe que suas diferenças — sejam de afetos, expressão ou identidade — viram alvo de olhares desconfortáveis, piadas ou rejeição. Essas experiências escolares tornam-se símbolos de um constrangimento maior, pois refletem uma sociedade pouco tolerante ao outro que não se ajusta aos padrões dominantes.
A adolescência traz com ela uma possibilidade de fuga ou renovação: Jonathan consegue se transferir para uma escola técnica no Rio de Janeiro. A mudança física – sair de Niterói para a capital fluminense – representa também uma mudança simbólica, uma abertura para novos mundos, novas referências culturais e sonoras. Ele se depara com o britpop, bandas como Suede e The Smiths, e encontra ícones que reverberam sensações de melancolia, de pertencimento possível, de identificação.
Mesmo nesse novo ambiente, porém, a busca por identidade não é um percurso linear e pacífico. O protagonista percebe que se aproximar de si mesmo exige distanciar-se de laços — familiares, escolares, afetivos — que não lhe conferem espaço para respirar. Ele vive um paradoxo: quanto mais tenta se afirmar, mais se sente alheio ao que tinha como “normal”; cada passo em direção a uma autenticidade pessoal traz consigo dor, solidão e escolha de caminhos que muitos ao redor não compreendem.
Jonathan descobre que as forças que moldam sua vida — o preconceito, o desejo de aceitação, a música, os gostos culturais — atuam simultaneamente como dispositivos de opressão e de libertação. O britpop, por exemplo, não é apenas trilha sonora; é também uma ponte que liga suas emoções a algo maior que ele mesmo, uma espécie de farol que permite vislumbrar outras maneiras de existir. Essa ambivalência entre o que prende e o que liberta é um eixo central do romance.
O autor, Marcello Quintanilha, usa um olhar minucioso para os detalhes cotidianos — gestos, sons, nomes de bandas, roupas — para mostrar como o íntimo convive com o social. Não são só os grandes eventos que definem Jonathan, mas as microderrotas, os sussurros de vergonha, os olhares de censura silenciosa. Essas pequenas fissuras compõem o que ele é, sinalizando que a construção da identidade muitas vezes se dá no espaço entre o visível e o invisível.
O romance também trata da ideia de pertencimento e de exílio. Jonathan quer pertencer — à família, à escola, a um gênero afetivo ou identitário — mas percebe que muitos desses espaços, mesmo quando ocupados, o mantêm preso a versões que não lhe servem. A alternativa de abandonar, rejeitar, se afastar, ainda que dolorosa, surge como uma forma de se aproximar mais de si, de criar um lar interno que não dependa do olhar alheio.
Ao final, Deserama não propõe soluções fáceis, tampouco uma reconciliação completa com tudo que aprisiona ou com tudo que exige renúncia. Em vez disso, o romance deixa uma sensação de possibilidade — de que ser quem se é, mesmo que signifique solidão ou incompreensão, pode ser um ato de coragem. Jonathan emerge não necessariamente livre de todos os pesos, mas com uma consciência ampliada de si, do que ama, do que rejeita, do que quer preservar.