“A Margem dos Olhos”, de Henrique Varella, é uma narrativa densa, introspectiva e poética que mergulha nas profundezas da percepção humana, explorando os limites entre o que se vê, o que se sente e o que permanece oculto nas entrelinhas do olhar. A obra é construída com uma linguagem lírica e simbólica, revelando uma trama emocional que privilegia os silêncios, os gestos contidos e os pensamentos não ditos.
Logo nos primeiros capítulos, o leitor é introduzido a um protagonista silencioso e observador, cuja jornada não é apenas física, mas, sobretudo, interior. O olhar do personagem principal não é apenas um instrumento de observação, mas um canal de tradução do mundo à sua volta — cada imagem capturada por seus olhos reflete memórias, perdas e expectativas reprimidas. A história se constrói à margem desses olhares, ou seja, no que escapa à visão direta, no que está ao redor, desfocado, esquecido.
Henrique Varella cria um espaço narrativo onde a cidade é quase um espelho do estado psicológico do personagem. As ruas, as esquinas, os prédios antigos e os rostos anônimos se transformam em metáforas da solidão contemporânea e da tentativa de dar sentido ao caos dos sentimentos. Tudo o que se vê é atravessado pela subjetividade: o mundo externo se mistura com o interno, como se os olhos fossem também janelas para a alma.
Ao longo do romance, a linguagem se torna cada vez mais sensorial, sugerindo que há verdades que não se dizem com palavras, mas que apenas se percebem com um certo tipo de sensibilidade. O autor trabalha com cenas que se repetem com variações mínimas, revelando como a memória distorce e reconstrói o passado a partir do que os olhos insistem em reter.
A trama não segue uma linha tradicional de começo, meio e fim. Em vez disso, o romance se organiza como um fluxo — por vezes lírico, por vezes fragmentado — que imita o modo como os pensamentos e emoções se encadeiam de forma não linear. A falta de respostas claras e a presença constante de metáforas visuais exigem um leitor atento e disposto a atravessar o texto com paciência e sensibilidade.
Os relacionamentos descritos ao longo da narrativa são marcados pela ausência, pela incomunicabilidade e por uma busca contínua de conexão. O personagem tenta, sem sucesso, encontrar sentido em encontros breves, lembranças fugidias e nos detalhes que os olhos captam — um gesto, um movimento, uma hesitação — mas que raramente são compreendidos de forma plena.
Henrique Varella propõe, assim, uma literatura da percepção: mais importante do que a ação é o modo como ela é vista. A margem dos olhos é o lugar da dúvida, da intuição, do que não se pode nomear. E é justamente ali, nesse espaço impreciso, que a história encontra sua força poética e filosófica.
No desfecho, não há uma resolução convencional, mas uma aceitação: o personagem reconhece que viver é conviver com aquilo que escapa à compreensão total. Ele aprende a olhar não para encontrar verdades absolutas, mas para acolher o que é fragmento, nuance, lampejo.
“A Margem dos Olhos” é, portanto, uma obra sensível e provocadora sobre o ver e o sentir, sobre o peso das lembranças e a leveza dos instantes. Henrique Varella nos convida a olhar para além da visão objetiva e a escutar as histórias que se escondem nas bordas de tudo aquilo que conseguimos perceber.