“Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, é um relato autobiográfico impactante publicado em 1982. O livro narra a história do próprio autor após um acidente que o deixou tetraplégico, e sua jornada de dor, adaptação e reflexão. Com uma linguagem informal e cheia de ironia, o autor envolve o leitor em suas memórias e pensamentos mais íntimos.
A obra começa com a descrição do acidente: Marcelo mergulha em um lago raso e sofre uma grave lesão na coluna cervical, perdendo os movimentos do corpo. Internado por meses, passa por cirurgias e tratamentos, enfrentando a dura realidade da imobilidade e da dependência.
Durante o período hospitalar, o autor revisita sua vida, narrando episódios marcantes da infância e juventude. Ele fala sobre os tempos de escola, as primeiras experiências amorosas, os amigos, as festas, e especialmente sobre sua relação familiar. Há um contraste constante entre a liberdade do passado e a limitação do presente.
Um dos temas centrais é o desaparecimento de seu pai, Rubens Paiva, um político cassado e torturado durante a ditadura militar brasileira. A ausência do pai, envolta em mistério e dor, é uma ferida aberta que atravessa o livro. Marcelo trata esse assunto com emoção, crítica e indignação.
Apesar do tom trágico que permeia a narrativa, o autor recorre constantemente ao humor ácido e à irreverência. Ele brinca com sua própria condição física, faz piadas sobre o ambiente hospitalar e os desafios do cotidiano, como se o riso fosse uma forma de resistência diante do sofrimento.
Ao longo da narrativa, o leitor acompanha as pequenas vitórias do autor: o movimento de um dedo, uma visita especial, uma conversa significativa. Essas conquistas são celebradas como atos de superação em meio à adversidade. A escrita torna-se, também, uma forma de terapia e afirmação de identidade.
“Feliz Ano Velho” não é apenas um livro sobre tragédia pessoal, mas um retrato de uma geração. Marcelo fala sobre política, repressão, liberdade e juventude. Suas memórias se entrelaçam com o contexto social e histórico do Brasil dos anos 70 e 80, enriquecendo a narrativa com uma dimensão coletiva.
A obra também é marcada pela estrutura não linear. O autor salta entre tempos, misturando passado e presente, o que dá ao texto um ritmo dinâmico e envolvente. A escrita é carregada de emoção, mas sem sentimentalismo excessivo, o que a torna ainda mais potente.
Ao final, “Feliz Ano Velho” se mostra uma obra de resistência, coragem e recomeço. Marcelo Rubens Paiva transforma sua dor em literatura e nos convida a refletir sobre a vida, a perda, a memória e a capacidade de recomeçar mesmo quando tudo parece ruir.