O romance narra a história das irmãs Maria Inês e Clarice, marcadas por uma infância traumática em uma família conservadora e opressora. Desde cedo, ambas enfrentam o silêncio imposto por abusos, principalmente dentro do ambiente doméstico. A narrativa alterna presente e passado, construindo camadas emocionais e psicológicas complexas. O branco do título simboliza tanto pureza quanto apagamento e silêncio. A escrita delicada de Adriana Lisboa revela a dor que se esconde por trás da aparente tranquilidade.
Clarice, a mais nova, é a personagem central em torno da qual a história gira com mais intensidade. Após sofrer abusos do próprio pai, ela é levada a um internato por Maria Inês, em um gesto que mistura proteção e afastamento. A partir desse momento, suas vidas seguem caminhos distintos, mas sempre interligados pela memória e pelo trauma. Clarice lida com a dor através da arte, da fuga e da introspecção. Sua trajetória é marcada por tentativas de cura e ressignificação.
Maria Inês, por outro lado, assume o papel de manter as aparências da família, mesmo que isso signifique reprimir suas próprias emoções. Sua busca por uma vida “normal” entra em conflito com o peso do passado. A relação entre as irmãs é feita de amor, distância e culpa. Cada uma representa uma forma diferente de lidar com a violência: uma pelo silêncio, a outra pela ruptura. A complexidade emocional delas se manifesta de maneira sutil, porém profunda.
A narrativa não é linear, refletindo a forma fragmentada com que o trauma se manifesta na memória. O tempo se dobra e se mistura, revelando aos poucos os eventos do passado e suas consequências. A autora emprega uma linguagem poética, sensível e carregada de simbolismos. Os silêncios da obra são tão importantes quanto as palavras ditas. É uma leitura que exige escuta emocional do leitor.
Além do abuso, o livro trata de temas como identidade, sexualidade, arte e resistência feminina. As personagens femininas buscam afirmar suas vozes em meio a uma estrutura familiar e social opressiva. A arte aparece como uma forma de escapar do que não se pode nomear. A escrita se torna também um ato de sobrevivência. Adriana Lisboa aborda tudo isso sem sensacionalismo, com delicadeza e verdade.
A figura do pai, abusador e autoritário, representa o poder patriarcal que silencia e controla. Sua presença permanece como sombra mesmo após a separação física. A mãe, por sua vez, é ausente, submissa e impotente diante da violência. O ambiente familiar sufoca ao invés de acolher. O branco, novamente, retorna como metáfora do que é escondido sob a aparência de normalidade. A atmosfera do livro é carregada, mas nunca pesada demais.
O título também remete à música, especialmente à ideia de composições que expressam o indizível. Assim como uma sinfonia pode conter silêncio, a narrativa de Lisboa valoriza o que não é dito. Clarice transforma sua dor em arte, desenhando e escrevendo como formas de reconstruir-se. A literatura surge como espaço de liberdade. Cada fragmento da história é uma nota em busca de harmonia.
Ao final, o livro não oferece soluções fáceis, mas sugere caminhos possíveis de reconstrução. A esperança é sutil, mas existe na possibilidade de escuta, de reconciliação, de arte e de afeto. “Sinfonia em Branco” é uma obra sobre o não-dito, sobre o trauma e sobre o poder da memória. É também um testemunho de que é possível encontrar beleza mesmo no meio da dor. Um romance forte, poético e profundamente humano.