“Sombra de Reis Barbudos”, de José J. Veiga, publicado em 1972, é uma das obras mais marcantes da literatura brasileira contemporânea, pertencente ao gênero de realismo fantástico. O romance se passa em uma pequena cidade rural onde a rotina tranquila dos moradores é gradualmente desestabilizada pela chegada de uma autoridade central desconhecida que começa a impor regras rígidas e alterar radicalmente a vida local.
A história é narrada por Lucas, um jovem que testemunha as mudanças inquietantes em sua cidade. Os “reis barbudos” do título não aparecem explicitamente, mas sua presença é sentida através das forças misteriosas e autoritárias que começam a controlar tudo. Primeiramente, trabalhadores externos chegam para construir uma grande fábrica, e logo depois surgem medidas estranhas, como o controle absoluto das saídas e entradas na cidade e a proibição de atividades consideradas triviais. A liberdade dos moradores é gradualmente cerceada, e aqueles que se rebelam desaparecem misteriosamente.
José J. Veiga utiliza o ponto de vista ingênuo de Lucas para mostrar o impacto dessa transformação totalitária sobre a comunidade. A cidade, antes livre e autossuficiente, se torna um lugar de medo, vigilância e conformidade. O caráter de fábula do romance, com seu tom alegórico, permite múltiplas interpretações, sendo uma delas a crítica ao autoritarismo e às ditaduras, principalmente no contexto da ditadura militar no Brasil.
A obra lida com temas como o medo do desconhecido, a perda da liberdade, e a manipulação de poder por forças invisíveis. Veiga constrói um ambiente de tensão crescente, onde o extraordinário surge lentamente no cotidiano, criando uma atmosfera de opressão sutil que se intensifica até se tornar sufocante. A cidade se transforma em um reflexo de sociedades controladas por regimes totalitários, onde o medo e a conformidade ditam o comportamento das pessoas.
“Sombra de Reis Barbudos” é também uma reflexão sobre como o poder corrompe e sobre as fragilidades humanas diante de sistemas opressores. A passividade inicial dos moradores, seguida pela incapacidade de resistência, revela como o medo pode paralisar uma comunidade. Ao usar elementos do realismo fantástico, José J. Veiga cria uma obra atemporal, rica em metáforas, que convida o leitor a pensar sobre as ameaças à liberdade e a vulnerabilidade das sociedades frente ao autoritarismo.
O estilo de escrita de Veiga é direto, com uma linguagem acessível, mas impregnado de um simbolismo que confere profundidade à narrativa. As paisagens do interior brasileiro são descritas com uma atenção quase poética, e o ritmo da história mantém um equilíbrio entre o real e o fantástico, fazendo com que o absurdo surja de forma gradual e inquietante.
“Sombra de Reis Barbudos” permanece uma obra relevante por sua crítica sutil ao controle social e pela forma como explora os efeitos do medo e da dominação sobre uma sociedade. Com personagens cativantes e uma trama enigmática, o livro se destaca na literatura brasileira como um exemplo poderoso de realismo fantástico e uma alegoria sobre a opressão e a luta pela liberdade.