“A Máquina de Madeira”, de Miguel Sanches Neto, é um romance histórico e ficcional que mistura invenção, crítica social e investigação do passado brasileiro. Ambientado no século XVIII, o livro acompanha a vida de um personagem inspirado no naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que, ao chegar ao Brasil, depara-se com um país marcado pela escravidão, pela desigualdade e pelas disputas de poder.
O protagonista, aqui reimaginado como um cientista que decide criar uma máquina feita totalmente de madeira — símbolo de um futuro possível e mais justo —, vê sua invenção ameaçar o poder estabelecido. A “máquina de madeira” torna-se um artefato revolucionário não apenas no sentido técnico, mas como metáfora de mudança social e cultural, algo inadmissível para as elites coloniais.
Miguel Sanches Neto utiliza a ficção histórica como instrumento de crítica à formação do Brasil. Ao revisitar o período colonial, o autor lança luz sobre as permanências de estruturas sociais injustas que ainda ecoam na atualidade. A obra dialoga com temas como ciência, utopia, censura e a difícil relação entre inovação e tradição em um país que historicamente marginaliza o conhecimento.
A narrativa, rica em detalhes e referências, alterna entre cenas de invenção, perseguição e contemplação filosófica. O protagonista vive em constante conflito: entre a admiração pelas belezas naturais do Brasil e o horror diante da brutalidade da escravidão e da ignorância institucionalizada. Sua máquina é vista como ameaça e, portanto, precisa ser destruída, apagada da história.
Há também um tom de fábula e de distopia em certos trechos, reforçando o caráter alegórico da obra. A “máquina” nunca é descrita por completo — ela é evocada, comentada, temida — e isso permite que o leitor a compreenda como símbolo da razão, da liberdade ou da esperança. É uma peça que representa tudo aquilo que poderia ter sido, mas que foi reprimido.
O estilo do autor é denso e cuidadoso, com uma prosa que alterna fluidez e reflexão. A linguagem transporta o leitor para uma época em que o conhecimento era controlado e a inovação, perigosa. Ao mesmo tempo, ele costura críticas discretas ao Brasil contemporâneo, sugerindo que ainda vivemos sob os escombros de projetos interrompidos.
O enredo avança à medida que o protagonista tenta proteger sua criação, ao mesmo tempo em que enfrenta inimigos poderosos que veem nela uma ameaça ao status quo. A narrativa é marcada por tensão crescente, mas também por momentos de introspecção e lirismo, que aprofundam o debate sobre a missão do conhecimento num país autoritário.
A conclusão do romance é simbólica e melancólica. A destruição da máquina representa o fracasso de uma utopia, mas também o nascimento de uma lenda. Mesmo sem deixar rastros concretos, a ideia sobrevive na memória dos que acreditam em um Brasil diferente, mais justo e mais livre.
Com A Máquina de Madeira, Miguel Sanches Neto entrega uma obra provocadora e original, que une passado e presente para refletir sobre as escolhas históricas do país. É um romance que convida à resistência intelectual e ao resgate das ideias que ousaram sonhar com outro futuro para o Brasil.