Cinema Sewer é uma compilação de zines underground, ilustrações, quadrinhos e ensaios que mergulham no cinema mais extremo: sexo, horror, exploração, pornografia e filmes limítrofes. Bougie não tenta enfeitar ou romantizar essas obras; ele as apresenta em todo seu ridículo, suas falhas e sua bizarrice, celebrando o grotesco. O estilo é gonzo, visceral, às vezes humorístico, às vezes repulsivo, mas sempre honesto. A proposta é mostrar filmes que muitos preferem ignorar, mas que têm valor como arte marginal ou objeto de culto. O livro desafia o leitor a questionar o que é “baixo” e por que damos valor ao “trash”.
A obra revisita edições específicas da revista Cinema Sewer (por exemplo, issues finais no volume 8) e reúne material inédito: entrevistas, rantings, propagandas antigas de filmes raros, ilustrações pesadas e comics que dialogam com o cinema sujo. É tanto uma crônica de subcultura quanto um catálogo dos excessos do entretenimento adulto/horror/exploration. Bougie privilegia o olhar pessoal: suas impressões, desgostos, fascínio, e sua vasta coleção de filmes obscuros. Há curiosidades sobre produção, distribuição underground e censura, além de referências a filmes “underground” que muitos nunca ouviram falar. Esse material serve tanto para chocar quanto para documentar.
Um tema recorrente no livro é a tensão entre choque e arte: como filmes feitos com orçamentos mínimos ou marginais, com intenções muitas vezes puramente comerciais ou provocativas, podem gerar experiência estética, provocar reflexões sobre moralidade, fetichismo, mediocridade e cultura de massa. Bougie mostra que mesmo obras consideradas “ruins” ou “nojentas” têm valor como arte popular, testemunho histórico do que pessoas consomem, escondem ou desejam. Ele não separa conteúdos sexuais explícitos ou pornografia de horror ou filmes de exploração como se fossem tabus: todos pertencem ao mesmo espectro. Essa abordagem permite ler Cinema Sewer como crítica cultural, mais do que mera sensationalism.
Há também uma forte ênfase no visual: imagens antigas de pôsteres, trailers, anúncios de filmes, folhetos, capas de VHS, etc., são usadas não só como apêndice, mas como parte do corpo da obra. Essas peças visuais revelam tanto estética trash quanto estratégias de marketing chocantes — como seduzir o público com promessas de escândalo, nudez, violência, fetiche. Ilustrações e quadrinhos de Bougie complementam os textos, às vezes satirizando, às vezes celebrando. O design gráfico e a tipografia reproduzem (ou homenageiam) a estética dos zines: DIY, rudimentar, sujo, mas com alma. Assim, o objeto-livro em si funciona como parte da experiência.
O livro organiza-se em volumes que recolhem diferentes edições da revista original, cada uma com um foco ou seleção de filmes extremos, mas também mantém uma coerência: há uma espécie de genealogia do trash, do exploitation, do horror sexual, do softcore hardcore, do underground. Em cada volume, Bougie revisita filmes de épocas distintas (anos 60, 70, 80, etc.), locais diversos, desde produções muito amadoras até aquelas “profissionais”, embora obscuras. Ele comenta como normas sociais, culturais ou de censura mudam, e como isso afeta o que é considerado chocante num tempo e num lugar. Isso dá ao livro valor histórico, além do choque momentâneo.
Bougie não evita mostrar os lados negativos: filmes com misoginia, racismo, exploração abusiva, produção questionável, e enfoque em sofrimento ou objetificação feminina são recorrentes — e ele às vezes se posiciona criticamente. Ele destaca que admirar ou catalogar essas obras não implica apoio, mas sim compreensão do que elas representam. Essa honestidade na crítica ajuda a não romantizar o “trash” como só diversão, mas também como parte de um sistema de desejos, medos, normas culturais. O leitor acaba confrontando não só seus gostos, mas suas convicções sobre censura, liberdade artística, moralidade pública e limites do entretenimento.
Outro ponto interessante é como Cinema Sewer fala tanto para fãs de cinema de gênero quanto para estudiosos do cinema underground. Há utilidade para colecionadores, críticos, historiadores culturais ou qualquer pessoa curiosa por culturas marginais. Bougie oferece referências de filmes obscuros, caminhos de descoberta, sugestões de filmes raros e até membuat comparações entre filmes extremos de diversas regiões. Ele lança mão de entrevistas com cineastas ou pessoas envolvidas nessas produções, permitindo ouvir vozes alternativas. Para quem se interessa por documentação da cultura pop que escapa ao mainstream, esse livro é um recurso valioso.
Em suma, Cinema Sewer: The Adults Only Guide to History’s Sickest and Sexiest Movies – Robin Bougie é um livro dual: provoca repulsa e fascinação, mas também convida à reflexão. Ele expõe como o cinema extremo funciona como espelho social (dos medos, fantasias, repressões), e como o “imundo” pode ser uma matéria-prima rica para quem está disposto a ver além do que é “aceitável”. Seu valor reside mais na autenticidade, no acervo de obscurezas e na coragem de colocar em evidência aquilo que muitos preferem ignorar. Você sai dele com a mente perturbada, talvez incomodada, mas também ampliada: o entretenimento adulto, o horror e a exploração cinematográfica têm muito para contar sobre nós mesmos.