O livro Marrom e Amarelo, de Paulo Scott, é uma obra intensa e reflexiva que aborda as complexas relações raciais e sociais do Brasil contemporâneo. A narrativa gira em torno de dois irmãos, Federico e Lourenço, que possuem tons de pele diferentes — um mais claro, outro mais escuro — e vivem as consequências disso em suas trajetórias. A história mostra como o racismo estrutural molda suas identidades e oportunidades, mesmo dentro da mesma família. Com uma escrita envolvente e crítica, Scott apresenta um retrato profundo das desigualdades raciais brasileiras. O enredo se passa em Porto Alegre, explorando as tensões de classe, cor e pertencimento.
A partir da relação dos irmãos, o autor discute o conceito de “colorismo”, que diferencia as experiências sociais de pessoas negras conforme o tom de pele. Federico, de pele mais clara, alcança privilégios que seu irmão Lourenço, de pele escura, não tem. Essa diferença torna-se o núcleo de um conflito pessoal e social que reflete a realidade brasileira. Paulo Scott usa uma linguagem poética e contundente para desnudar o racismo disfarçado de cordialidade. O livro provoca o leitor a repensar a meritocracia e o papel da branquitude nas estruturas de poder. Assim, cada página é um convite à autocrítica e à empatia.
A narrativa é construída em fragmentos, alternando memórias, reflexões e diálogos que ampliam a complexidade dos personagens. Federico, que narra parte da história, tenta compreender suas próprias contradições como homem mestiço que usufrui de privilégios raciais. O romance não busca soluções fáceis, mas expõe feridas abertas e desconfortos necessários. Lourenço, por sua vez, representa a resistência e a luta por reconhecimento e justiça. A relação entre os dois é marcada por afeto e tensão, evidenciando como o racismo destrói laços até mesmo dentro das famílias.
Paulo Scott utiliza o cenário urbano e político como pano de fundo para suas reflexões. O livro transita entre o passado e o presente, mostrando como o racismo histórico ainda molda o Brasil moderno. As políticas de ação afirmativa e as discussões sobre identidade racial ganham destaque na trama. Federico se envolve em debates sobre cotas raciais, revelando suas ambiguidades diante do próprio lugar social. O romance, portanto, se torna um espelho das contradições do país. A escrita densa e crítica transforma o texto em uma poderosa ferramenta de conscientização.
Outro ponto marcante é a linguagem literária empregada por Scott, que mistura lirismo e realismo de forma singular. Ele cria uma atmosfera introspectiva, mas também política, em que a palavra serve tanto para denunciar quanto para curar. A escolha dos nomes, cores e metáforas reforça a simbologia da mestiçagem e da exclusão. O autor revela que o racismo não é apenas um problema individual, mas estrutural, enraizado nas instituições e nos afetos. Essa combinação de estética e denúncia faz de Marrom e Amarelo uma obra essencial na literatura brasileira contemporânea.
Além da questão racial, o livro aborda a identidade nacional e a dificuldade de reconhecer o racismo como parte do DNA brasileiro. O autor mostra como o mito da democracia racial mascara desigualdades profundas. Federico, dividido entre culpa e privilégio, encarna a complexidade de quem tenta conciliar consciência social e conforto pessoal. Lourenço simboliza a resistência de quem nunca teve esse privilégio. O contraste entre os dois revela a face cruel da sociedade que ainda insiste em negar o racismo.
Marrom e Amarelo é também uma reflexão sobre memória e pertencimento. O passado das personagens retorna constantemente, influenciando suas escolhas e percepções. Paulo Scott escreve de forma íntima, quase confessional, convidando o leitor a revisitar a própria história. A dor e a beleza convivem em equilíbrio, tornando o livro uma experiência emocional profunda. Essa mistura de intimidade e denúncia transforma o romance em um documento humano e político.
Por fim, o livro reafirma a importância de se discutir a cor e o racismo de maneira aberta e honesta. Scott demonstra que o silêncio e a omissão perpetuam injustiças históricas. Sua obra convida à reflexão sobre o que significa ser brasileiro em um país marcado pela desigualdade racial. A literatura, nesse contexto, cumpre um papel social essencial: o de iluminar as sombras da realidade. Marrom e Amarelo não é apenas um romance, mas um manifesto pela consciência e pela mudança.

