“A Esposa de Ló“ é uma crônica emblemática de Eduardo Galeano que revisita a história bíblica da esposa de Ló, transformada em estátua de sal por olhar para trás ao fugir da cidade de Sodoma, condenada à destruição. Galeano, conhecido por sua habilidade em recontar histórias com um toque de crítica social, interpreta esse olhar como um ato de coragem e de resistência ao esquecimento, ao contrário da visão tradicional que enxerga nesse ato um erro ou um deslize. Para ele, a esposa de Ló não é uma figura de fraqueza, mas sim um símbolo de uma lembrança que desafia a imposição do silêncio.
A crônica sugere que, em alguns contextos, “olhar para trás” é um ato necessário e corajoso. A esposa de Ló, ao decidir voltar seu olhar para o passado, se torna uma metáfora para aqueles que, diante de injustiças e de opressões, recusam-se a esquecer. Galeano sugere que o poder costuma usar o esquecimento como forma de controle, apagando histórias que expõem suas falhas e crueldades. Assim, a estátua de sal passa a representar aqueles que são castigados por recordarem verdades que incomodam.
Para Galeano, a memória é uma força de resistência. Na crônica, ele explora o fato de que sociedades frequentemente enfrentam pressões para esquecer os traumas e as injustiças sofridas. A história da esposa de Ló serve como um lembrete de que revisitar o passado, mesmo quando doloroso, é um direito e um dever dos que foram marginalizados. Não se trata de nostalgia, mas de uma forma de se conectar com a própria identidade e história, exigindo justiça e reconhecimento.
Essa releitura toca em temas como a preservação das histórias coletivas, a necessidade de memória e a luta contra a repressão de lembranças incômodas. Galeano argumenta, de forma poética e sutil, que a lembrança é um ato de subversão, especialmente quando governos e poderes buscam reescrever o passado. Olhar para trás, portanto, não é um erro, mas um ato de resistência contra a narrativa dos opressores, uma postura que desafia a ordem estabelecida.
“A Esposa de Ló”, como parte do “Livro dos Abraços”, representa o estilo característico de Galeano, que mistura memórias pessoais, relatos históricos e reflexões sobre o papel do indivíduo na sociedade. Ao destacar a importância de honrar e preservar a memória, Galeano traz uma poderosa reflexão sobre o valor de resistir ao esquecimento. Com uma linguagem poética e acessível, ele transforma a história bíblica em uma defesa vibrante da recordação, incentivando o leitor a reconhecer e valorizar o peso da memória na construção da justiça.