O livro A Vida de Galileu, de Bertolt Brecht, é uma peça teatral que retrata a trajetória do cientista italiano Galileu Galilei e seu conflito com a Igreja Católica ao defender a teoria heliocêntrica. Brecht utiliza a figura histórica de Galileu para discutir temas como o poder, a liberdade de pensamento e a responsabilidade ética da ciência. A obra se passa na Itália do século XVII, um período em que as descobertas científicas ameaçavam a autoridade religiosa. Por meio do drama, o autor expõe o dilema entre o avanço do conhecimento e as forças conservadoras que buscam controlá-lo.
A narrativa acompanha Galileu em sua luta para provar que a Terra gira em torno do Sol, contrariando o dogma geocêntrico imposto pela Igreja. Inicialmente, o cientista é retratado como um homem entusiasmado e curioso, movido pela paixão pela verdade e pela razão. Sua descoberta representa uma revolução não apenas científica, mas também filosófica e moral. No entanto, Brecht mostra como o contexto político e religioso da época transforma o conhecimento em uma ameaça ao poder estabelecido, levando o protagonista a enfrentar perseguição e censura.
O conflito central da peça surge quando Galileu é acusado de heresia e levado diante do Tribunal da Inquisição. Diante da tortura e da ameaça de morte, ele renega publicamente suas convicções, optando pela sobrevivência. Essa recusa em manter sua palavra gera um intenso debate moral sobre o papel do cientista diante da verdade. Brecht não idealiza o personagem: mostra Galileu como um homem humano, frágil e contraditório, capaz de grandes descobertas, mas também de covardia. Essa ambiguidade torna a obra profundamente realista e crítica.
A partir da renúncia de Galileu, a peça questiona o valor do conhecimento quando ele é separado da coragem e da responsabilidade. Brecht sugere que o progresso científico não pode ser neutro, pois carrega implicações éticas e sociais. O autor coloca em evidência a tensão entre ciência e poder, revelando como o medo e a repressão podem sufocar a busca pela verdade. Essa reflexão transcende o contexto histórico e continua atual, especialmente em tempos em que a ciência enfrenta pressões políticas e ideológicas.
A linguagem de Brecht é clara, direta e repleta de ironia. Fiel ao seu estilo épico, ele evita o sentimentalismo e convida o público a pensar criticamente sobre os acontecimentos em vez de apenas se emocionar. As cenas são intercaladas por canções e comentários que quebram a ilusão teatral e incentivam o distanciamento reflexivo, técnica conhecida como Verfremdungseffekt (efeito de distanciamento). Esse recurso faz com que o espectador não se identifique cegamente com os personagens, mas reflita sobre as questões sociais e políticas envolvidas.
Um dos temas mais fortes da peça é a responsabilidade moral dos cientistas diante do impacto de suas descobertas. Brecht mostra que o saber, quando usado sem ética, pode ser tão perigoso quanto a ignorância. Essa preocupação é representada pelo próprio arrependimento de Galileu, que, ao final da obra, lamenta ter cedido à pressão da Igreja e não ter lutado até o fim pela liberdade do pensamento científico. A tragédia do personagem reside justamente em sua consciência de que traiu a verdade em nome da segurança.
Ao contextualizar o conflito de Galileu, Brecht também faz uma crítica ao autoritarismo e à censura intelectual de seu próprio tempo. Escrita em meio às tensões políticas do século XX, a peça reflete o desencanto do autor com os regimes que reprimiam o pensamento livre, inclusive os totalitarismos europeus. Assim, A Vida de Galileu é tanto um retrato histórico quanto uma metáfora universal sobre a luta entre razão e poder. O texto convida o leitor a questionar até que ponto o progresso é possível em uma sociedade que teme a mudança.
No desfecho, Galileu, já idoso e cego, continua secretamente a escrever sobre o movimento dos corpos celestes, mantendo viva a chama do conhecimento. Brecht encerra a peça com uma nota ambígua: apesar da derrota pessoal, a ciência segue adiante, impulsionada pela curiosidade humana. A Vida de Galileu é, portanto, uma reflexão sobre a coragem, a verdade e o preço da liberdade intelectual. A obra permanece atual por denunciar os perigos da submissão e por afirmar que o pensamento crítico é a força mais revolucionária que o homem possui.

