No livro Desterros, Natalia Timerman narra sua experiência como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, lidando com internos que enfrentam problemas mentais e condições severas de cárcere. Ela mostra que o confinamento vai além da perda de liberdade, criando medos, normas próprias e histórias de vida complexas. Timerman humaniza os detentos, revelando que nem prontuários ou tribunais conseguem abarcar suas vidas por completo. A autora também inclui sua própria vivência, reconhecendo que, como profissional, se tornou parte do absurdo do sistema.
O livro problematiza o ambiente do hospital-prisão, analisando como o espaço afeta tempo, relações e identidade. A rotina é marcada pela espera, suspensão de sentidos e feridas visíveis ou invisíveis, mas também por resistência e desejo. Algumas detentas usam maquiagem ou decoram as celas como afirmação de existência. A narrativa combina relatos clínicos, vozes dos internos e reflexão da autora, equilibrando objetividade e participação sem reduzir as pessoas a casos ou estatísticas.
A linguagem é tema central: o que pode ser dito, o que permanece silenciado e o que a literatura permite revelar. Timerman mostra que nem a justiça penal nem a psiquiatria sozinhas captam a complexidade humana e o sofrimento que se estende além das grades. A tensão entre profissionalismo e testemunho é constante, revelando dilemas éticos e humanos no trabalho com internos.
Outro tema importante é a maternidade no cárcere, com mulheres grávidas ou que deram à luz dentro da prisão. O confinamento afeta relações afetivas, cuidado infantil e gerações inteiras. Timerman destaca que a punição penal se estende para além do indivíduo condenado, atingindo corpos vulneráveis e criando impactos psicológicos profundos. Alguns detentos mantêm feridas abertas para permanecer nos cuidados do hospital, mostrando limites difusos entre tratamento e castigo.
O estilo do livro é literário e reflexivo, mas mantém o rigor clínico da psiquiatria. Timerman aproxima o leitor da realidade das pessoas encarceradas, sem cair em voyeurismo, provocando desconforto e reflexão. O leitor é confrontado com violência, solidão e espera, mas também com resistência, dignidade e humanidade persistente. A obra questiona o que resta de humano em ambientes de confinamento extremo.
Desterros combina literatura, psiquiatria e justiça social, oferecendo um retrato potente do encarceramento no Brasil. A autora demonstra como histórias individuais revelam falhas e limites do sistema penitenciário, destacando a complexidade dos corpos, da mente e das relações humanas. O livro também revela a necessidade de ética, compaixão e sensibilidade no trabalho com pessoas privadas de liberdade.
A narrativa evidencia a importância do olhar atento, tanto clínico quanto literário, para compreender vidas marcadas pelo sofrimento. Timerman mostra que mesmo em contextos de desumanização, pequenas ações e gestos de cuidado mantêm a dignidade. A literatura torna-se instrumento de escuta radical e resistência, permitindo que as vozes dos marginalizados sejam ouvidas.
Por fim, Desterros é um convite à reflexão sobre liberdade, loucura, vulnerabilidade e resistência. Natalia Timerman revela que, apesar de sistemas rígidos e estruturas punitivas, a humanidade persiste através da palavra, do cuidado e da atenção ética. A obra demonstra que ouvir, narrar e compreender vidas marginalizadas é um ato de justiça e empatia.

