Na obra O Último Trem para Lisboa, Raimund Gregorius é um professor suíço de linguagens clássicas cuja vida segue uma rotina rígida e previsível. Um dia, ele salva uma mulher portuguesa que aparentava querer se jogar de uma ponte, e encontra um livro em língua estrangeira que muda completamente sua trajetória. Gregorius decide abandonar, por um tempo, sua existência estável e embarca numa viagem a Lisboa, movido pelo mistério que o livro desperta. A narrativa explora o despertar para perguntas profundas sobre identidade, destino e liberdade de escolha.
Durante sua estadia em Lisboa, Gregorius busca descobrir quem foi o autor do livro, Amadeu de Prado, médico português que viveu sob o regime de Salazar. Inicialmente curiosidade intelectual, a investigação transforma-se em travessia emocional e existencial. Ele encontra pessoas que conviveram com Prado: familiares, amigos e amantes, e através delas compreende o passado do autor. Nesse processo, Gregorius confronta sua própria vida, seus medos e a forma como vivia até então. O livro mistura história, filosofia e experiências pessoais, tornando o percurso de Gregorius uma jornada de autoconhecimento.
Um dos temas centrais é o contraste entre a vida conformada e a vida vivida com intensidade. Gregorius, antes metódico e quase invisível, passa a questionar sua existência: será que “viver uma vida” é o mesmo que “viver pela vida”? Ele percebe que palavras, livros e encontros têm poder transformador e que pequenas descobertas podem mobilizar mudanças profundas. A obra reflete sobre o poder da linguagem e da leitura como instrumentos para despertar consciência.
O passado da ditadura portuguesa e da resistência antifascista ganha relevo no livro. A figura de Amadeu de Prado se revela complexa: médico, intelectual e homem de ação, que enfrenta dilemas morais e políticos. Gregorius se percebe espelhado em Prado, mostrando que a história pessoal e a história coletiva se entrelaçam. A narrativa demonstra que as escolhas de um indivíduo podem ecoar além dele mesmo, afetando vidas e contexto social.
Lisboa e o “trem para Lisboa” têm papel simbólico. O trem não é apenas meio físico de transporte, mas também metáfora da transição interior. Gregorius embarca no momento em que sua vida parecia concluída, e a viagem representa novas possibilidades e descobertas pessoais. A cidade, ruas e quartos silenciosos compõem um cenário em que o tempo é vivido com intensidade, não apenas cronologicamente.
Outro tema importante é a responsabilidade individual: mudar é possível, mas exige coragem para abandonar a segurança e enfrentar o desconhecido. Gregorius, aos 57 anos, representa alguém que já viveu grande parte da vida “programada” e percebe que ainda pode assumir novas escolhas. O romance convida à reflexão sobre renúncias, liberdade e a coragem necessária para viver autenticamente.
O estilo de Pascal Mercier combina narrativa introspectiva e descritiva com reflexões filosóficas contidas nos escritos de Amadeu de Prado. Há descrições de Lisboa, diálogos e reflexões profundas sobre moral, ética e existência. A obra não é apenas romance ou aventura, mas uma meditação sobre a vida e suas possibilidades, incentivando o leitor a pensar sobre suas próprias escolhas.
Por fim, O Último Trem para Lisboa é um convite à presença, à atenção ao instante e à coragem de mudar. Gregorius sai de sua rotina previsível e aprende que mesmo uma vida aparentemente comum pode se tornar significativa quando se decide viver com consciência. O livro sugere que a pergunta “como quero viver?” permanece legítima em qualquer idade, sendo a força motriz da própria existência.

