“As Vozes do Campo”, de Felipe Arantes, é uma obra que entrelaça memória, identidade e pertencimento com uma linguagem poética e sensível. O romance mergulha no cotidiano rural brasileiro, dando voz aos personagens que vivem à margem dos grandes centros, mas que carregam dentro de si uma sabedoria ancestral e uma força silenciosa. Felipe Arantes constrói, nesse livro, uma narrativa marcada pela oralidade, pelo lirismo e por uma profunda conexão com a terra.
A história gira em torno de um narrador-personagem que retorna à fazenda onde passou a infância, após anos na cidade. Esse retorno físico é também um mergulho interior: ele precisa resgatar fragmentos de sua história, ouvir novamente as vozes do passado e tentar entender como o tempo transformou as pessoas, a paisagem e ele mesmo. O campo, nesse sentido, não é apenas um espaço geográfico, mas também simbólico — representa a origem, o tempo cíclico e os afetos enraizados.
Os personagens que compõem o enredo são figuras profundamente humanas, com dores e alegrias moldadas pela lida diária com a terra. O velho caseiro, a lavadeira, o vaqueiro, a parteira — todos carregam histórias marcadas pela simplicidade e pela resistência. Suas vozes são os pilares da narrativa e se entrelaçam em um coral de lembranças, conselhos e pequenos ensinamentos que formam o verdadeiro tecido da vida rural.
Felipe Arantes utiliza uma linguagem que combina a delicadeza poética com o ritmo da fala interiorana. O resultado é uma prosa que quase se confunde com verso, repleta de musicalidade e emoção contida. Há, nas entrelinhas, uma homenagem ao modo de viver que resiste apesar do progresso, da urbanização e do esquecimento imposto pelas grandes narrativas do país.
A memória é um tema central no romance. O narrador confronta as imagens que guardava do campo com a realidade atual, percebendo que o tempo não passa apenas nas pessoas, mas também no solo, nas construções e nos silêncios. Essa discrepância entre passado e presente dá à narrativa um tom melancólico, mas também libertador: é preciso aceitar o que foi para continuar.
Ao longo da narrativa, o campo se revela como personagem vivo — com suas árvores, córregos, trilhas e sons. O autor descreve a natureza com detalhamento sensorial, permitindo ao leitor sentir o cheiro da terra molhada, o som dos grilos à noite, o calor do sol batendo nos galhos secos. Essa ambientação fortalece o vínculo entre espaço e emoção, criando uma atmosfera íntima e acolhedora.
O enredo é entrecortado por histórias contadas à beira do fogão ou em caminhadas pelo pasto. Essas narrativas secundárias, muitas vezes carregadas de elementos folclóricos ou religiosos, revelam um Brasil profundo, que vive no imaginário popular e nos saberes que passam de geração em geração. São vozes que contam não apenas fatos, mas sentidos.
No final do livro, o narrador entende que a volta ao campo não tem o propósito de retomar o passado, mas de aceitar o que ele significou. As vozes que ouviu — vivas ou lembradas — ajudam-no a construir um novo silêncio interior, mais maduro, mais enraizado. Ele parte novamente, mas leva consigo o campo em forma de saudade e sabedoria.
“As Vozes do Campo” é, portanto, uma celebração à escuta, à ancestralidade e à permanência da memória. Felipe Arantes convida o leitor a parar, ouvir e sentir o que pulsa nas coisas simples. Em tempos acelerados, sua obra nos lembra que há um valor imenso nas histórias contadas devagar, ao som do vento e das folhas.