O romance “O Vendedor de Passados”, de José Eduardo Agualusa, conta a história de Félix Ventura, um albino angolano que trabalha com uma profissão peculiar: ele vende passados. Seu ofício consiste em criar histórias, genealogias e documentos falsos para pessoas que desejam mudar sua origem e melhorar sua imagem social.
Félix vive em Luanda, Angola, e seu trabalho é bastante requisitado por políticos, empresários e figuras da alta sociedade que desejam apagar um passado obscuro ou construir uma biografia mais nobre, com antepassados ilustres e honrosos. Seu serviço é visto como uma forma de reescrever identidades em uma sociedade marcada por profundas transformações políticas e sociais.
A história é narrada por uma osga (lagartixa), que observa e reflete sobre os acontecimentos, oferecendo uma visão irônica, filosófica e, por vezes, poética da vida dos humanos. Essa escolha narrativa dá à obra um tom original e metafórico.
Tudo começa a se complicar quando um misterioso cliente estrangeiro procura Félix para comprar um passado, pedindo uma nova identidade que seja absolutamente perfeita. A partir daí, Félix cria uma biografia completa, com fotos, documentos, árvores genealógicas e até histórias de antepassados.
No entanto, o que parecia ser apenas mais um trabalho se transforma em um drama inesperado. Aos poucos, o cliente começa a descobrir que partes desse passado inventado parecem se materializar de forma estranha na sua vida, como se a ficção se confundisse com a realidade.
Essa situação gera uma série de questionamentos tanto para Félix quanto para o leitor: até que ponto é possível modificar quem somos? Nossa identidade está presa ao passado, ou podemos reconstruí-la livremente? O livro provoca reflexões profundas sobre a construção da memória, da verdade e da própria existência.
Conforme a trama avança, surgem mistérios ligados à verdadeira identidade do cliente, revelando segredos que vão muito além da simples falsificação de documentos. A linha entre o real e o inventado se torna cada vez mais tênue, levando os personagens a enfrentarem dilemas éticos e existenciais.
O passado de Félix também começa a ser questionado, e ele se vê obrigado a confrontar suas próprias origens, suas escolhas e as contradições de um país que, assim como ele, busca ressignificar sua história após anos de guerra civil e colonialismo.
Ao final, “O Vendedor de Passados” revela-se uma obra sobre memória, identidade, poder e reinvenção. Com uma escrita leve, poética e bem-humorada, José Eduardo Agualusa faz uma crítica elegante à sociedade e, ao mesmo tempo, oferece uma reflexão universal sobre quem somos e como construímos nossas próprias narrativas.