As Maçãs de Cedrillon, de Maurice Druon, é um conto que mescla fantasia e crítica moral, integrando o universo das “Contes de fées à l’usage des moyennes personnes” (Contos de fadas para pessoas medianas). Com um tom irônico e elegante, a história apresenta uma narrativa envolvente sobre ganância, egoísmo e redenção, usando a linguagem do conto de fadas para explorar questões humanas universais.
A história gira em torno do rei Cedrillon, um monarca vaidoso e excessivamente preocupado com sua saúde. Obcecado por prolongar sua juventude e bem-estar, Cedrillon confia em um médico excêntrico que lhe prescreve uma dieta composta unicamente de maçãs douradas, que crescem em um jardim mágico e raríssimo. Essas maçãs, aparentemente milagrosas, se tornam o símbolo do seu desejo de imortalidade e controle absoluto sobre seu corpo e seu destino.
O problema começa quando a produção das maçãs diminui, e Cedrillon, em vez de moderar seu consumo, decide monopolizar completamente o cultivo das frutas. Ele envia soldados para proteger os pomares e proíbe o acesso da população a qualquer parte do território onde crescem as maçãs. A obsessão do rei pela fruta torna-se uma metáfora clara da avareza e da desconexão dos poderosos em relação ao povo.
Com o tempo, Cedrillon não apenas se isola do mundo, mas também perde a capacidade de sentir prazer verdadeiro, já que sua existência passa a girar unicamente em torno da manutenção do corpo. Sua saúde, paradoxalmente, começa a deteriorar-se, pois ele deixa de alimentar sua alma, suas relações e seu reino. Maurice Druon retrata esse declínio como uma consequência natural da busca desmedida pela imortalidade e do egoísmo cego.
A crítica à elite e aos governantes é evidente: enquanto Cedrillon se agarra a suas maçãs douradas, o povo sofre com escassez, abandono e tirania. A fome e o desespero crescem entre os camponeses, e a revolta começa a surgir. No entanto, como em muitos contos de fadas com tom moralista, a punição de Cedrillon não vem apenas do exterior, mas também do interior — sua obsessão o corrói, levando-o à solidão e ao enfraquecimento.
O turning point da narrativa ocorre quando uma jovem camponesa consegue entrar no jardim proibido e roubar uma maçã. Ao ser capturada, ela conta sua história ao rei, despertando nele memórias esquecidas da infância, da simplicidade e da alegria genuína. Essa conversa torna-se o momento de virada, pois Cedrillon, fragilizado e arrependido, começa a repensar suas escolhas e o propósito de sua vida.
A transformação de Cedrillon, embora tardia, traz um tom de redenção à narrativa. Ele decide distribuir as maçãs ao povo e reabrir os jardins, aceitando que não pode controlar o tempo nem vencer a morte, mas pode escolher o legado que deseja deixar. Ao fazer isso, sua saúde e espírito melhoram, não por mágica, mas pela reconexão com a humanidade e com valores essenciais.
Maurice Druon encerra o conto com uma moral clara, mas sem sentimentalismo: a verdadeira juventude está na generosidade e na partilha, não na obsessão pelo controle do corpo. As Maçãs de Cedrillon é, portanto, mais do que um conto de fadas — é uma parábola moderna sobre os perigos da vaidade, o abuso de poder e o esquecimento da coletividade.
Com sua escrita refinada e inteligência crítica, Druon entrega uma fábula instigante, que diverte ao mesmo tempo em que provoca reflexões profundas. O conto permanece atual e universal, dialogando com leitores de todas as idades sobre temas que atravessam séculos: egoísmo, empatia e a verdadeira essência do bem viver.