“Bom-Crioulo”, publicado em 1895 por Adolfo Caminha, é um dos romances mais ousados do final do século XIX no Brasil. Considerado parte do Naturalismo, o livro trata de temas tabus para a época, como homoafetividade, racismo, repressão sexual e autoritarismo nas instituições militares. A obra causou escândalo à sua publicação, mas é hoje valorizada como um marco na literatura brasileira.
O enredo gira em torno de Amaro, um marinheiro negro conhecido como “Bom-Crioulo”, e Aleixo, um jovem grumete branco e belo, por quem Amaro se apaixona. A história se passa em um ambiente militar – o navio e depois o Arsenal da Marinha – onde vigora uma disciplina rígida, mas também um submundo de opressões e desejos reprimidos.
Amaro, que já havia tido problemas com a bebida e com acessos de violência, busca regenerar-se e encontrar equilíbrio emocional. Quando conhece Aleixo, idealiza no jovem uma espécie de redenção afetiva. A paixão de Amaro é intensa, possessiva e marcada pela carência e pela exclusão social que sofre por ser negro, pobre e ex-escravizado.
Aleixo, por outro lado, representa um personagem ambíguo. Sua juventude e beleza o tornam objeto de desejo, mas sua relação com Amaro é instável, marcada por momentos de entrega e de rejeição. Posteriormente, Aleixo se envolve com uma lavadeira chamada D. Carolina, o que desencadeia ciúmes e desespero em Amaro.
A obra é construída com a estética do Naturalismo, marcada por descrições minuciosas, forte influência determinista e foco em personagens marginalizados. Adolfo Caminha não poupa o leitor de cenas explícitas ou da tensão sexual, contrariando os padrões morais de sua época.
Outro aspecto relevante é a crítica social implícita. Ao retratar um amor entre um negro e um branco, em um ambiente viril como o da Marinha, Caminha expõe o racismo estrutural, o autoritarismo das instituições e a hipocrisia da moral burguesa. A escolha do protagonista negro foi particularmente provocativa, pois subverte o papel geralmente reservado a personagens afrodescendentes na literatura do século XIX.
Com o desenvolvimento do enredo, Amaro torna-se cada vez mais instável emocionalmente. Sentindo-se traído por Aleixo e humilhado por suas próprias ilusões, ele mergulha em um ciclo de desespero que culmina em um trágico desfecho. O romance termina com Amaro cometendo um assassinato motivado pelo ciúme, encerrando a narrativa com a fatalidade típica do Naturalismo.
A linguagem de Caminha é direta, marcada por um tom quase jornalístico em alguns trechos, mas também sensível ao descrever o sofrimento e os dilemas internos de seus personagens. O autor não julga seus protagonistas, apenas os expõe em sua fragilidade humana diante das forças sociais que os moldam.
“Bom-Crioulo”, portanto, é uma obra à frente de seu tempo, que rompeu com convenções estéticas e morais do século XIX. Hoje é estudada como uma peça fundamental da literatura brasileira por sua ousadia temática e por dar voz a personagens marginalizados. Adolfo Caminha, com este romance, propõe uma reflexão profunda sobre preconceito, desejo, liberdade e exclusão.