“O Visitante”, conto de Sérgio Sant’Anna, é uma narrativa densa, ambígua e perturbadora, que trata de temas como poder, violência, voyeurismo e degradação moral. Publicado originalmente nos anos 1970, o conto revela o estilo experimental e provocador do autor, caracterizado pela linguagem precisa e pela crítica social disfarçada de ficção psicológica.
A história gira em torno de um jovem prisioneiro, acusado de um crime não especificado, que é levado a uma visitação particular em uma prisão. O “visitante”, um homem poderoso e misterioso, entra em sua cela para observá-lo e interagir com ele. Aos poucos, o encontro assume contornos inquietantes, com diálogos tensos e uma atmosfera opressiva.
O título da obra, “O Visitante”, sugere um estranho que irrompe em um espaço fechado, trazendo desconforto e provocando mudanças. No conto, o visitante representa mais do que um simples personagem: é símbolo de uma autoridade que se alimenta do sofrimento alheio, um reflexo do autoritarismo e da perversão institucionalizada.
Sérgio Sant’Anna constrói a narrativa com um realismo seco e quase teatral. A cela vira um palco onde o preso e o visitante encenam um jogo de dominação, silêncios e provocações. O que se espera de uma visita – acolhimento, conforto ou esperança – é substituído por constrangimento, controle e humilhação.
Ao longo do conto, o leitor percebe que o visitante não está ali por razões judiciais ou humanitárias. Seu interesse pelo prisioneiro parece ser pessoal, voyeurístico, até sexualizado. A tensão cresce conforme o jovem tenta resistir ao controle moral e psicológico exercido sobre ele.
A relação entre os dois personagens escancara uma estrutura de poder corrompida. O visitante representa o olhar frio da sociedade e das instituições sobre o indivíduo marginalizado. O prisioneiro, por sua vez, é tratado como objeto de observação, exposto, desumanizado. A cela vira não só prisão física, mas também metáfora da opressão social.
A linguagem do conto é contida, mas carregada de subtextos. Sérgio Sant’Anna constrói camadas simbólicas sutis, deixando muitas interpretações abertas. A ausência de nomes próprios para os personagens reforça o caráter universal da situação: não se trata de indivíduos específicos, mas de tipos humanos e sociais.
Ao final do conto, o clima de ambiguidade se intensifica. O visitante vai embora sem que nada de concreto tenha acontecido — ou talvez tenha acontecido tudo. O prisioneiro fica só, como antes, mas agora marcado pela presença inquietante do outro. A ausência de desfecho nítido é parte da força do texto.
“O Visitante” é, portanto, um conto sobre o poder e o olhar. Com sutileza e crueza, Sérgio Sant’Anna mostra como a opressão pode ocorrer não apenas por meio da força física, mas através da presença, da palavra, do silêncio. É um texto que incomoda — e é justamente esse desconforto que revela sua importância.