O romance Til, publicado em 1872, é uma das obras mais singulares de José de Alencar, inserida no movimento do regionalismo romântico brasileiro. A narrativa se passa no interior de São Paulo e traz como cenário as fazendas, os costumes e as relações sociais do período, compondo um painel da vida rural do século XIX. O autor combina elementos de romance de costumes, de formação e de caráter psicológico, resultando em uma trama marcada por contrastes entre inocência e violência, ternura e brutalidade.
A protagonista da obra é Berta, jovem órfã conhecida pelo apelido de Til. Ela é retratada como uma figura angelical, dotada de pureza, bondade e uma forte ligação com a natureza, quase como uma idealização romântica. Sua presença ilumina aqueles que a cercam, funcionando como eixo de equilíbrio emocional e moral. Alencar constrói a personagem com traços de heroína romântica, ao mesmo tempo em que revela uma jovem sensível às dores do mundo, capaz de compaixão e sacrifício.
Ao redor de Berta se desenvolvem outras figuras importantes, como Miguel e Linda, companheiros de infância que carregam suas próprias marcas de sofrimento. Miguel é apresentado como um personagem de índole forte e protetora, enquanto Linda representa delicadeza e fragilidade. Outro personagem central é Jão Fera, homem rude e misterioso, que guarda segredos obscuros ligados ao passado da família de Berta. A presença dessas figuras complexas dá ao romance uma dimensão dramática e intensa.
Um dos pontos altos da obra é o contraste entre a delicadeza de Berta e a brutalidade das condições de vida rural. A violência, os segredos familiares e os conflitos sociais surgem como pano de fundo constante, mostrando um Brasil marcado por desigualdades, tensões de classe e heranças de escravidão. José de Alencar utiliza a paisagem rural não apenas como cenário, mas como elemento simbólico que reforça os sentimentos e os destinos dos personagens.
O enredo é permeado por mistérios envolvendo a origem de Berta, revelações do passado e relações de vingança que se desenrolam ao longo da trama. Esses elementos conferem ao romance um caráter de suspense e intensidade emocional. Ao mesmo tempo, a narrativa explora o destino das personagens femininas, muitas vezes submetidas a papéis de sacrifício, mas que também revelam força interior diante das adversidades.
O título Til remete a uma marca deixada por Berta na infância, simbolizando tanto sua identidade quanto sua presença marcante na vida dos outros. Essa metáfora reforça a ideia de que, embora frágil e doce, a personagem deixa rastros profundos na memória e no coração daqueles que convivem com ela. A obra, assim, equilibra lirismo e tragédia, compondo uma história que oscila entre idealizações românticas e um realismo latente.
A linguagem de José de Alencar é outro aspecto marcante do romance. Rica em descrições da natureza, dos costumes e das emoções, ela cria uma atmosfera envolvente, transportando o leitor para o universo rural brasileiro do século XIX. O autor consegue combinar poesia e dramatismo, ao mesmo tempo em que desenvolve uma crítica sutil às estruturas sociais e à dureza da vida no campo.
Til é considerado um romance de maturidade de José de Alencar, pois sintetiza sua habilidade em explorar a identidade nacional através da literatura. Mais do que uma história de amor e sofrimento, a obra revela os contrastes de uma sociedade em formação, com seus valores, contradições e dramas humanos. A figura de Berta permanece como símbolo da pureza em meio à dureza do mundo, fazendo da narrativa uma reflexão atemporal sobre inocência, dor e resiliência.