“O Drible”, de Sérgio Rodrigues, é um romance que entrelaça futebol, jornalismo e relações familiares marcadas por ressentimentos e ausências. Com narrativa afiada e estrutura que alterna passado e presente, o livro mergulha na vida de Murilo Filho, um renomado jornalista esportivo aposentado, e seu reencontro com o filho, que ele não via há muitos anos.
A história começa com Murilo já idoso e doente, sendo procurado por seu filho, que deseja restabelecer algum tipo de contato antes da morte do pai. A princípio, o reencontro é tenso, marcado por silêncios, sarcasmos e um rancor mal disfarçado. Porém, à medida que os dois passam a conversar, especialmente sobre futebol, algo começa a se transformar na dinâmica entre eles.
Murilo, com seu estilo irônico e arrogante, decide contar ao filho a história de um jogador lendário, Peralvo, que, segundo ele, foi o maior craque do futebol brasileiro, embora nunca tenha sido reconhecido. A narrativa desse personagem — que parece estar entre o real e o inventado — ocupa grande parte do romance, funcionando como uma espécie de metáfora para os temas centrais do livro: esquecimento, talento desperdiçado, e a relação entre verdade e mito.
O enredo da vida de Peralvo é contado com riqueza de detalhes, como se Murilo estivesse tentando construir uma memória viva para o filho, ou talvez compensar sua ausência paterna com uma grande história. Ao mesmo tempo, o leitor é levado a questionar o que, de fato, é verdade e o que é invenção dentro desse relato. A fronteira entre jornalismo e ficção torna-se cada vez mais tênue.
O futebol, nesse contexto, não é apenas pano de fundo, mas sim um elemento simbólico que reflete emoções profundas e aspectos da identidade brasileira. O “drible” do título é uma imagem recorrente, referindo-se não apenas ao gesto técnico esportivo, mas à maneira como os personagens evitam confrontar diretamente seus traumas, suas culpas e suas responsabilidades.
Conforme os diálogos entre pai e filho avançam, vão sendo reveladas mágoas antigas, principalmente ligadas à figura ausente de Murilo e à infância solitária do filho. É uma troca marcada por acertos de contas emocionais, mas também por tentativas de compreensão tardia e algum tipo de reparação.
O estilo de Sérgio Rodrigues é preciso, com frases curtas e agudas, e referências que vão do futebol à literatura. Ele constrói uma trama com ritmo e inteligência, alternando narração em primeira e terceira pessoa, e brincando com o leitor ao esconder e revelar informações aos poucos, até chegar a uma reviravolta final surpreendente.
O desfecho do livro não oferece um encerramento sentimental, mas sim uma nova camada de complexidade ao drama entre pai e filho. A revelação final lança uma nova luz sobre toda a narrativa, especialmente sobre a natureza da história de Peralvo, deixando no ar questões sobre verdade, manipulação e legado.
“O Drible” é, portanto, uma obra sobre memórias (reais ou inventadas), sobre a habilidade de contornar a dor com palavras e histórias, e sobre como o futebol, com seus mitos e paixões, pode ser espelho de nossas relações mais íntimas. Um livro maduro, irônico e profundamente humano, que usa o esporte como linguagem para falar de perda, reconciliação e identidade.