Publicado em 1888, O Missionário, de Inglês de Sousa, é um dos romances mais representativos do Naturalismo brasileiro, marcado pela crítica à moral religiosa e pela observação minuciosa dos costumes da sociedade amazônica. A narrativa se passa em plena região do Pará, onde o autor retrata com grande riqueza descritiva tanto a paisagem natural quanto a vida social e religiosa do interior brasileiro no século XIX.
A história gira em torno do padre Antonio de Moraes, jovem missionário enviado a uma pequena vila da Amazônia com a missão de evangelizar e conduzir espiritualmente a população local. Contudo, sua vida religiosa é logo colocada à prova quando conhece Anna, uma bela e sedutora mulher casada com um comerciante local. Entre ambos surge uma atração irresistível que se transforma em um caso amoroso proibido.
O romance mostra o embate constante entre os desejos humanos e a rígida moral imposta pelo sacerdócio católico. O padre Antonio é apresentado como um homem dividido: de um lado, o dever e a vocação religiosa; de outro, a força avassaladora da paixão. Essa tensão revela a crítica de Inglês de Sousa à repressão sexual e à hipocrisia da Igreja, que, em sua visão naturalista, não consegue anular os instintos básicos da natureza humana.
Anna, por sua vez, encarna a figura feminina forte e sedutora, mas também trágica, já que seu envolvimento com o missionário coloca em risco sua posição social e seu casamento. A relação entre os dois é marcada por encontros furtivos, segredos e um clima de culpa constante, até que os desdobramentos inevitáveis levam ao sofrimento e à ruína moral.
O cenário amazônico exerce papel fundamental na narrativa. A floresta, o rio e a natureza exuberante são descritos com um realismo quase pictórico, funcionando como metáfora da força incontrolável dos desejos humanos. A ambientação contribui para reforçar o clima de tensão e fatalismo que atravessa toda a obra, mostrando a Amazônia não apenas como espaço físico, mas também como força simbólica de instintos e pulsões.
O romance segue a estética naturalista ao retratar o homem como produto do meio, da hereditariedade e das circunstâncias. O padre Antonio, apesar de sua formação e vocação religiosa, não consegue escapar à lei do desejo. Sua queda é tratada não como um simples erro moral, mas como resultado inevitável de sua condição humana, reforçando a visão determinista da literatura naturalista.
A crítica à instituição religiosa é evidente em diversos momentos. Inglês de Sousa expõe a fragilidade do celibato e questiona a sinceridade da moral católica em um ambiente em que a vida material e os prazeres carnais se impõem sobre os dogmas. Essa perspectiva causou grande polêmica à época da publicação, colocando O Missionário entre as obras mais ousadas do período.
No conjunto, O Missionário se destaca como um romance de denúncia e de análise psicológica, que alia a beleza das descrições amazônicas ao rigor do Naturalismo. Inglês de Sousa constrói um enredo em que a paixão, o pecado e a queda moral se entrelaçam em um destino inevitável, revelando a luta entre instinto e repressão, desejo e fé, liberdade e norma social. Trata-se de uma das obras mais importantes para compreender a literatura naturalista no Brasil e a representação crítica da Igreja e da sociedade no século XIX.