“O Pintor de Batalhas”, de Arturo Pérez-Reverte, é um romance intenso e reflexivo que aborda temas como guerra, arte, memória e a natureza humana. A narrativa gira em torno de Faulques, um fotógrafo de guerra aposentado que, depois de décadas documentando conflitos ao redor do mundo, decide se isolar em um farol à beira-mar para pintar um grande mural sobre batalhas. O objetivo de Faulques é capturar a essência brutal da guerra, não apenas como um evento violento, mas como uma força impessoal que revela os impulsos primordiais da humanidade. Ao pintar, ele procura entender a própria natureza do sofrimento e da destruição que presenciou.
Sua reclusão, entretanto, é interrompida pela chegada inesperada de Markovic, um ex-soldado croata. Anos antes, Faulques havia fotografado Markovic durante a guerra da Iugoslávia, em uma imagem que acabou se tornando icônica. Essa foto, no entanto, teve consequências devastadoras para Markovic, que alega que sua vida foi destruída pela imagem, pois o retrato o transformou em alvo e arruinou sua existência. Ele culpa Faulques pela sua desgraça e surge no farol com a intenção de confrontá-lo e cobrar-lhe as consequências do poder destrutivo da fotografia.
A relação tensa entre Faulques e Markovic se desenvolve ao longo da trama, enquanto os dois discutem a moralidade, o impacto da arte e a responsabilidade do fotógrafo. O romance explora os dilemas éticos da profissão de Faulques: a fotografia é uma forma de registrar a verdade ou apenas uma exploração do sofrimento alheio? Faulques reflete sobre seu passado e sua escolha de se distanciar emocionalmente das atrocidades que fotografava, chegando a questionar se sua obra é realmente uma forma de arte ou uma perversão da realidade que ele testemunhou.
Arturo Pérez-Reverte utiliza a troca de perspectivas entre os dois personagens para abordar temas filosóficos profundos sobre o papel da arte e a responsabilidade de quem a cria. Faulques tenta explicar a Markovic que a arte, em sua visão, revela o caos e a crueldade inerentes ao mundo, e que ele se considerava apenas um observador desse caos. Entretanto, Markovic o acusa de falta de empatia e de usar a guerra como uma fonte de inspiração desumana. A pintura de Faulques torna-se uma metáfora para as batalhas internas de ambos os personagens: enquanto ele tenta transformar o horror em uma obra estética, Markovic luta para se libertar da dor que a imagem lhe causou.
A narrativa também explora as memórias de Faulques sobre outras guerras que cobriu, como os conflitos no Oriente Médio e na África. Ele recorda suas experiências e os inúmeros rostos que encontrou, pessoas que enfrentaram o sofrimento e a violência de maneira única. Essas lembranças o forçam a confrontar a própria futilidade de seu projeto artístico e a questionar se é possível realmente captar a complexidade da guerra em uma única obra. Ao mesmo tempo, ele tenta justificar suas escolhas, insistindo que, ao pintar, busca alcançar uma verdade universal sobre o ser humano.
O romance é construído com um ritmo introspectivo, alternando entre a tensão do presente e as memórias dolorosas de Faulques, revelando sua ambivalência sobre sua arte e as pessoas que impactou ao longo de sua carreira. A presença de Markovic representa não apenas o conflito moral do fotógrafo, mas também a sombra da responsabilidade e da culpa que ele tenta, em vão, evitar.
“O Pintor de Batalhas” é, portanto, uma reflexão profunda sobre as feridas deixadas pela guerra, não só nos campos de batalha, mas também na vida dos que testemunham e registram sua brutalidade. Arturo Pérez-Reverte, ele próprio ex-repórter de guerra, traz uma perspectiva pessoal e crítica sobre os impactos da profissão e da arte de testemunhar, questionando se é possível documentar a realidade sem interferir nela. A obra examina as fronteiras tênues entre observador e participante, e a forma como o ato de criar – seja pela fotografia ou pela pintura – carrega consigo um peso moral.
A história se encerra com a compreensão de que, embora a guerra seja inescrutável e impessoal, ela deixa marcas individuais e traumas profundos, sugerindo que a verdadeira batalha não está no campo, mas nas memórias e culpas dos sobreviventes.