O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, é um romance intenso e profundamente humano que retrata um momento marcante da história de Portugal: a descolonização e o consequente retorno dos “retornados” das ex-colônias africanas, especialmente de Angola, na década de 1970. A autora constrói a narrativa com sensibilidade e precisão, dando voz aos deslocamentos físicos e emocionais vividos por milhares de famílias nesse período turbulento.
A história é narrada pelo olhar de Rui, um adolescente de 15 anos que vive em Angola com sua família. A vida que ele conhece é abruptamente interrompida com a independência do país e o clima de instabilidade política e social. De repente, ele e sua família são forçados a abandonar tudo — casa, amigos, memórias — e embarcar para um Portugal que, para Rui, é mais uma ideia distante do que uma pátria real.
Ao chegar a Lisboa, Rui se depara com um país em crise, ainda marcado pela Revolução dos Cravos e pelas mudanças políticas e sociais que ela trouxe. A recepção aos retornados não é calorosa: há preconceito, desconfiança e dificuldades econômicas. A adaptação é dura, e a família luta para sobreviver em um cenário completamente diferente daquele que conheciam.
Dulce Maria Cardoso explora, com um estilo envolvente e melancólico, a sensação de perda, a identidade fragmentada e o sentimento de não pertencimento que acompanha os personagens. Rui, ao mesmo tempo em que tenta compreender sua nova realidade, carrega as lembranças de Angola como um refúgio íntimo, um lugar onde sua identidade parecia completa.
A narrativa é marcada por contrastes — o calor e a cor de Angola versus o cinza e o frio de Portugal; a abundância de antes contra a escassez do presente; a segurança do lar perdido diante da incerteza do recomeço. Esses opostos reforçam a sensação de deslocamento e nostalgia que permeia toda a obra.
Além do drama familiar, o livro é um retrato social e histórico, mostrando como eventos políticos de grande escala afetam de forma profunda e irreversível a vida de indivíduos comuns. A história de Rui e sua família é, ao mesmo tempo, única e universal, representando tantas outras que viveram o mesmo destino.
O ritmo da escrita de Dulce Maria Cardoso combina lirismo com realismo, criando cenas vívidas que alternam momentos de ternura e dureza. A linguagem coloquial, filtrada pela visão adolescente, torna a narrativa mais próxima e tocante, sem perder sua profundidade.
No desfecho, não há respostas fáceis nem soluções definitivas. O retorno, no fundo, não é apenas geográfico, mas emocional — uma busca constante por pertencimento em um mundo onde o passado e o presente parecem sempre em conflito.
Assim, O Retorno é uma obra sobre perda, adaptação e identidade, que convida o leitor a refletir sobre as raízes que carregamos e o que acontece quando somos obrigados a arrancá-las para replantar em um solo desconhecido.