“Desmundo”, escrito por Ana Miranda e publicado em 1996, é um romance histórico que retrata o Brasil colonial do século XVI, focando-se nos dilemas vividos por mulheres enviadas de Portugal para se casarem com os colonizadores. A narrativa se desenvolve a partir do ponto de vista de Oribela, uma jovem órfã que, contra a sua vontade, é enviada ao Brasil com outras mulheres para se casar e ajudar a povoar a colônia.
O romance se destaca pelo uso de uma linguagem que busca recriar o português arcaico da época, transportando o leitor para os tempos da colonização e conferindo um tom autêntico e poético à obra. Através dessa linguagem, Ana Miranda consegue captar a mentalidade e a brutalidade do período, incluindo a relação de poder entre colonizadores, índios e escravos, além da opressão sofrida pelas mulheres.
Oribela, a protagonista, é uma personagem profundamente marcada pela luta entre o desejo de liberdade e a realidade opressora à sua volta. Ao ser forçada a se casar com Francisco de Albuquerque, um rude fazendeiro, ela tenta resistir às imposições de sua nova vida, vivendo em constante conflito entre sua fé religiosa, seu destino como esposa e a brutalidade da colônia. Ao longo da narrativa, Oribela questiona as normas sociais e morais de seu tempo, revelando a hipocrisia e a violência que moldam a sociedade colonial.
Além de Oribela, Ana Miranda oferece uma visão profunda sobre os dilemas enfrentados por outros personagens, como os índios, que tentam sobreviver às investidas coloniais, e os padres jesuítas, que buscam catequizar a população indígena. A crítica à colonização e à imposição de valores europeus sobre as culturas nativas permeia toda a obra, com reflexões sobre a destruição cultural e a imposição de uma nova ordem social.
O título “Desmundo” reflete a sensação de deslocamento e estranhamento vivida por Oribela e outros personagens. Para ela, o Brasil colonial representa um “desmundo”, um lugar que não se encaixa em suas noções de civilização e ordem, um espaço hostil e selvagem, que desafia sua visão de mundo e a leva a confrontar sua própria identidade.
Com “Desmundo”, Ana Miranda oferece uma narrativa poderosa que revisita a história do Brasil sob uma perspectiva feminina, dando voz a personagens que muitas vezes foram silenciadas nos relatos oficiais. O romance é, ao mesmo tempo, uma crítica à opressão colonial e uma reflexão sobre as profundas contradições que moldaram a formação do Brasil.
Adaptado para o cinema em 2002, o livro ganhou ainda mais notoriedade, reafirmando sua importância na literatura brasileira contemporânea, tanto pelo estilo narrativo quanto pelo retrato histórico que oferece da vida na colônia.