Dois Irmãos, de Milton Hatoum, é um romance intenso e carregado de simbolismo que mergulha nas complexas relações familiares, especialmente no vínculo conflituoso entre gêmeos, e no pano de fundo social e cultural da cidade de Manaus. A história, narrada por Nael, um jovem que cresceu na casa da família sem conhecer ao certo sua origem, acompanha as disputas, paixões e ressentimentos que marcam a vida de Omar e Yaqub, filhos de Halim e Zana.
A narrativa começa no retorno de Yaqub ao Brasil após passar cinco anos no Líbano, onde fora enviado após um desentendimento violento com o irmão na adolescência. Zana, mãe protetora e parcial, sempre demonstrou predileção por Omar, o que agravou a rivalidade entre os gêmeos. Halim, por sua vez, é um pai mais contido, tentando evitar os confrontos, mas incapaz de impedir que os conflitos se aprofundem ao longo dos anos.
Omar, boêmio e instável, vive sem grandes responsabilidades, enquanto Yaqub é disciplinado, trabalhador e ambicioso. Suas personalidades opostas se refletem nas escolhas que fazem e na maneira como enfrentam a vida. Essa diferença se torna ainda mais explosiva quando interesses amorosos entram em jogo, envolvendo Rânia, amiga da família e objeto de desejo dos dois.
A cidade de Manaus é mais que um cenário: ela pulsa como personagem viva, mostrando sua transformação desde os tempos de prosperidade ligados ao ciclo da borracha até o período de decadência e mudanças urbanas. Hatoum mistura a história da família com a própria história da região, ressaltando aspectos culturais, políticos e sociais que moldam os destinos individuais.
A figura de Nael, o narrador, é central para o mistério da trama. Filho da empregada Domingas, ele cresceu na casa sem saber qual dos irmãos era seu pai. Sua posição entre patrões e empregados lhe permite observar os acontecimentos com um olhar crítico, mas também com mágoa e desejo de compreender suas origens.
Ao longo do romance, Hatoum trabalha temas como identidade, herança cultural, desigualdade social e a inevitabilidade dos laços de sangue. A tensão entre Omar e Yaqub nunca se dissolve, sendo alimentada por feridas passadas, inveja e ressentimento, culminando em consequências trágicas.
O estilo narrativo é marcado por um tom poético e, ao mesmo tempo, carregado de realismo. As descrições da Amazônia e da cidade contrastam com o clima claustrofóbico da casa, onde as emoções reprimidas e os segredos corroem a família por dentro.
No desfecho, a verdade sobre a paternidade de Nael permanece envolta em silêncio, reforçando a ideia de que certas histórias familiares nunca são totalmente reveladas. Dois Irmãos é, acima de tudo, um retrato das paixões humanas e da complexa teia de afetos e rancores que definem a vida em família, deixando no leitor a sensação de que, em algumas relações, o passado jamais se apaga.