“Eles Eram Muitos Cavalos”, de Luiz Ruffato, é uma obra singular e inovadora da literatura contemporânea brasileira. O livro, publicado em 2001, não segue uma narrativa linear tradicional, mas oferece uma visão multifacetada e fragmentada da cidade de São Paulo em um único dia. A obra é composta por diversos capítulos curtos, quase como vinhetas ou relatos, que apresentam a vida de diferentes personagens em situações cotidianas, dramáticas e, por vezes, angustiantes.
O título “Eles Eram Muitos Cavalos” remete à ideia de caos, movimento e multiplicidade, uma metáfora para a desordem e diversidade da vida urbana. Ruffato não se preocupa em criar uma narrativa contínua com protagonistas ou tramas bem definidas. Ao contrário, o autor prefere explorar várias vozes, estilos e perspectivas para construir um retrato vivo e complexo da metrópole. Assim, o leitor é levado a conhecer a realidade de pessoas de diferentes classes sociais, etnias e profissões, cujas vidas se cruzam, mesmo que indiretamente, no espaço físico da cidade.
Cada fragmento de “Eles Eram Muitos Cavalos” oferece uma janela para os desafios enfrentados por esses personagens no cotidiano de São Paulo. Alguns estão lidando com a pobreza, outros com a violência, a solidão, o preconceito, a esperança, a indiferença ou a busca por um sentido em suas vidas. Ruffato apresenta esses relatos de forma crua e realista, muitas vezes sem um fechamento claro, o que reflete a própria natureza imprevisível e inconclusiva da vida nas grandes cidades.
A estrutura fragmentada do livro é um dos aspectos mais marcantes. O leitor pode sentir que está folheando as páginas da vida urbana, saltando de uma cena para outra sem necessariamente compreender todos os detalhes. Esse estilo pode ser desafiador, mas ao mesmo tempo é imersivo, pois obriga o leitor a preencher as lacunas e refletir sobre as conexões entre os personagens e seus destinos. A forma narrativa se assemelha a um mosaico de histórias, que juntas formam uma imagem mais ampla e complexa da sociedade.
Ruffato também utiliza uma linguagem diversa, adaptando o estilo de escrita ao contexto e ao perfil de cada personagem. Há momentos em que a linguagem é simples e direta, refletindo a oralidade das ruas, e outros em que ela se torna mais introspectiva e poética. Essa variação estilística contribui para a riqueza do texto, revelando a multiplicidade de vozes presentes na cidade.
No fundo, “Eles Eram Muitos Cavalos” é uma obra sobre a experiência urbana e a condição humana em meio ao caos da modernidade. O livro explora as contradições da vida na cidade grande, onde o progresso e a tecnologia coexistem com a exclusão social e a violência. Ruffato não oferece respostas ou soluções para os problemas que seus personagens enfrentam; em vez disso, ele nos convida a observar e refletir sobre a complexidade e a dureza da vida contemporânea.
A obra foi amplamente elogiada pela crítica e recebeu diversos prêmios literários, sendo considerada uma das mais importantes da literatura brasileira recente. “Eles Eram Muitos Cavalos” é uma leitura instigante, que desafia as convenções narrativas e proporciona uma visão única e polifônica da sociedade urbana.