“Riacho Doce”, de José Lins do Rego, é um romance ambientado no litoral nordestino do Brasil, centrado nas relações humanas e na colisão de culturas. Publicado em 1939, a obra é marcada pela linguagem rica e regionalista, característica do autor, e reflete o embate entre a modernidade e as tradições locais.
A trama gira em torno de Eduarda, uma jovem carioca que se muda para o povoado de Riacho Doce com seu marido, o engenheiro Dr. Fernando, que foi contratado para trabalhar na região. A chegada dos dois, forasteiros em uma comunidade profundamente enraizada em suas crenças e costumes, gera um choque cultural que permeia toda a narrativa. Eduarda, com sua beleza e modos urbanos, rapidamente se torna objeto de desejo e fascinação dos homens locais, especialmente de Nô, um pescador forte e determinado.
O romance desenvolve-se com o entrelaçar das vidas de Eduarda e Nô, ambos atraídos de maneira quase inevitável um pelo outro, representando o confronto entre a civilização e a natureza, a razão e o instinto. O desejo proibido entre os dois cresce à medida que Eduarda se sente sufocada pela solidão de seu casamento e pela dureza da vida no sertão, enquanto Nô encarna a virilidade e a força bruta do homem nordestino. Esse romance ilícito é tratado por Lins do Rego com uma sensibilidade que expõe as tensões emocionais e morais da protagonista.
Além do conflito emocional central, o romance também explora as dinâmicas sociais e econômicas de Riacho Doce, uma comunidade pesqueira em transição, onde as tradições religiosas e supersticiosas convivem com os avanços da modernidade representados pela presença de Fernando e sua missão. A religião, especialmente o culto a Iemanjá, é um elemento de grande importância para os habitantes, e serve como pano de fundo espiritual para os acontecimentos dramáticos que se desenrolam.
A escrita de José Lins do Rego é marcada pela imersão nas paisagens nordestinas e pela maneira como ele capta a fala e o modo de ser das pessoas simples daquela região. O calor opressivo, a vastidão do mar e a rusticidade da vida local são descritos com riqueza de detalhes, dando ao romance um sentido quase sensorial de lugar e ambiente. O autor também explora as tensões entre os valores tradicionais e as mudanças trazidas pela modernidade, um tema recorrente em sua obra.
“Riacho Doce” é uma história de paixão, desejo e conflito, que trata das complexas relações entre homem e natureza, cultura e instinto, e que culmina em um desfecho dramático. José Lins do Rego constrói um retrato profundo e vívido de uma comunidade à margem da modernidade, onde forças primitivas e civilizadas se chocam.