“O Sorriso do Lagarto” é um romance de João Ubaldo Ribeiro que mistura crítica social, política, ciência e suspense, ambientado em uma fictícia vila litorânea da Bahia. Com sua prosa ágil e cheia de ironia, o autor nos conduz por uma trama intrigante que envolve experiências genéticas, conflitos de poder e questionamentos morais profundos.
O protagonista da narrativa é João Pedroso, jornalista que busca sossego com sua família em uma antiga vila pesqueira. No entanto, logo percebe que o local, embora bucólico à primeira vista, guarda segredos sinistros e é palco de manipulações poderosas, orquestradas por figuras de destaque da elite local.
Entre os personagens mais marcantes está o misterioso Dr. Morel, um cientista envolvido com experiências genéticas clandestinas. Ele representa a face da ciência desprovida de ética, utilizando cobaias humanas para testar ideias sobre aperfeiçoamento genético. Seu envolvimento com os moradores da vila vai muito além da medicina tradicional.
À medida que João Pedroso investiga os acontecimentos, ele se depara com uma rede de crimes, manipulações biológicas e distorções de valores. O romance então adquire contornos de thriller, sem nunca abandonar a verve crítica que é marca de João Ubaldo. A pergunta que paira no ar: até onde a ciência pode ir antes de se tornar monstruosa?
João Ubaldo Ribeiro se vale do cenário nordestino e do linguajar coloquial para compor uma narrativa que dialoga com questões universais. A crítica à ditadura, ao autoritarismo e ao uso do poder para fins escusos está presente em cada linha, ainda que sutilmente disfarçada pela ironia e pelo absurdo de certas situações.
O título — “O Sorriso do Lagarto” — funciona como uma metáfora enigmática. O lagarto, ser frio, sorridente e impassível, representa a frieza com que os poderosos lidam com vidas humanas. Seu sorriso não é de alegria, mas de superioridade, de quem observa o caos com desprezo e controle.
A transformação dos personagens ao longo da trama é notável. João Pedroso, por exemplo, vai de espectador passivo a figura ativa na tentativa de desvendar os segredos da vila. Sua jornada também é interna: questiona seus próprios valores, sua visão de mundo e o real significado de civilização.
João Ubaldo equilibra tensão narrativa com momentos de sátira, questionando tanto a moralidade da ciência quanto a alienação da sociedade frente aos abusos. A obra também toca na questão do “melhoramento” humano, antecipando debates contemporâneos sobre engenharia genética e ética científica.
“O Sorriso do Lagarto” é uma crítica feroz, travestida de ficção envolvente. Com estilo próprio e olhar agudo, João Ubaldo Ribeiro constrói um romance que denuncia, provoca e permanece atual. Uma leitura que combina entretenimento com reflexão profunda sobre os limites da ciência e da humanidade.