“Nove Noites”, romance de Bernardo Carvalho publicado em 2002, é uma obra instigante que mistura ficção, jornalismo investigativo e relato autobiográfico. A história gira em torno do suicídio real do antropólogo norte-americano Buell Quain, ocorrido em 1939, em circunstâncias misteriosas enquanto ele vivia entre os índios Krahô, no Tocantins.
A narrativa é conduzida por um jornalista que, décadas depois, tenta reconstruir os últimos dias de Quain e entender o que o levou a tirar a própria vida. O romance se estrutura entre os relatos do narrador, documentos históricos e cartas do antropólogo, alternando passado e presente, ficção e fato. O título faz alusão às nove noites que o narrador imagina terem sido as últimas de Quain entre os indígenas.
À medida que investiga, o narrador percebe que há lacunas e contradições nos registros existentes. A ausência de um motivo claro para o suicídio torna a busca quase obsessiva. O livro se transforma, então, numa reflexão sobre os limites do conhecimento, sobre o que é possível saber e o que sempre escapa à compreensão.
Bernardo Carvalho constrói um romance labiríntico, onde as identidades se embaralham e os fatos históricos são filtrados pela memória, pela linguagem e pela invenção literária. O narrador se confronta com seu próprio desejo de encontrar sentido num evento que talvez não tenha explicação, expondo a fragilidade da verdade histórica.
Ao explorar a vida e a morte de Quain, o romance aborda também a questão do outro: o indígena, o estrangeiro, o desconhecido. Quain, ao tentar se integrar à cultura dos Krahô, se depara com seus próprios limites e contradições. O narrador, por sua vez, sente-se igualmente deslocado em sua investigação, como se estivesse atravessando uma fronteira entre mundos inconciliáveis.
O livro é profundamente marcado por um sentimento de melancolia e solidão. Tanto Quain quanto o narrador vivem experiências de ruptura com seu meio, seja pelo exílio voluntário ou pela busca obsessiva por respostas. A jornada de ambos parece motivada por um vazio existencial que nem a ciência, nem a escrita, conseguem preencher.
A linguagem de Bernardo Carvalho é refinada, reflexiva e por vezes fragmentada, espelhando a natureza elusiva da própria narrativa. Ele não oferece certezas, mas múltiplas versões, ecos e dúvidas. O resultado é um romance que exige envolvimento do leitor, que se torna cúmplice da investigação e também de sua frustração.
“Nove Noites” é, assim, mais do que a história de um suicídio misterioso: é uma meditação sobre o sentido da vida, da morte, da alteridade e da memória. É também um olhar crítico sobre os métodos da antropologia e do jornalismo, que tentam apreender o real, mas frequentemente o distorcem.
Ao final, o leitor não obtém uma resposta definitiva sobre Buell Quain — e talvez esse seja o ponto central do romance. “Nove Noites” nos mostra que há enigmas humanos que resistem à explicação, e que a tentativa de compreendê-los pode dizer mais sobre quem investiga do que sobre o investigado.