Em “O Quinto Filho”, Doris Lessing constrói uma narrativa poderosa sobre os limites do amor, da maternidade e das convenções familiares. A história gira em torno de Harriet e David Lovatt, um casal conservador que sonha com uma vida familiar idealizada, repleta de filhos e harmonia.
Eles compram uma casa grande nos arredores de Londres, com a intenção de criar muitos filhos em um ambiente acolhedor. Seus quatro primeiros filhos chegam com relativa facilidade, e a casa se enche de parentes e celebrações. Tudo parece caminhar conforme seus planos, até a chegada do quinto filho: Ben.
Desde a gravidez, Harriet sente que há algo diferente e perturbador. O parto é traumático, e o bebê se mostra inquieto, agressivo e distante desde os primeiros dias. Ben não se encaixa no modelo de criança desejada; ele morde, machuca os irmãos e parece alheio aos sentimentos familiares.
A presença de Ben transforma a dinâmica da casa. O lar antes vibrante se torna um ambiente de tensão e medo. Os irmãos se afastam, os parentes deixam de visitar, e o sonho idealizado se desfaz. Harriet, no entanto, insiste em cuidar de Ben, mesmo contra a vontade de David e do restante da família.
Doris Lessing aborda, com intensidade, os dilemas da maternidade: até que ponto uma mãe deve insistir em amar um filho que representa a ruína de todos os outros? Harriet se vê sozinha, abandonada em sua tentativa de proteger um ser que ela mesma não compreende completamente.
A figura de Ben é descrita de forma quase mitológica — como se fosse um ser pré-histórico, um elo perdido, um intruso na sociedade moderna. Ele não demonstra empatia, linguagem afetiva ou conexão emocional, o que acentua a ideia de que ele pode simbolizar uma ruptura no projeto civilizatório.
O conflito entre Harriet e David expõe o colapso de valores tradicionais quando confrontados com o incontrolável. A autora levanta questões sobre normalidade, exclusão e o que significa ser humano — explorando temas como eugenia, instinto materno e responsabilidade moral.
No fim, “O Quinto Filho” não oferece respostas fáceis. A narrativa, curta e impactante, deixa o leitor com um mal-estar intencional: é um estudo sobre a impossibilidade de controle total sobre a vida e sobre o perigo de perseguir ideais utópicos sem considerar suas consequências.
Com uma escrita direta e perturbadora, Doris Lessing transforma um drama familiar em uma fábula sombria e inquietante sobre os limites da tolerância, a solidão da maternidade e os monstros que podem nascer de nossos próprios sonhos.