Os Ratos, de Dyonelio Machado, é um romance de 1935 considerado um dos marcos do realismo psicológico na literatura brasileira. A obra acompanha um único dia na vida de Naziazeno Barbosa, um funcionário público pobre de Porto Alegre, que enfrenta uma crise existencial e material diante de um problema aparentemente simples: pagar o leiteiro que lhe cobra uma dívida.
A narrativa se desenvolve a partir da angústia do protagonista, que acorda cedo, sem dinheiro e atormentado pela necessidade de conseguir a quantia para saldar o débito. Esse pequeno impasse desencadeia um mergulho profundo em sua mente, revelando suas inseguranças, frustrações e o peso esmagador da vida urbana para quem vive na miséria.
Naziazeno passa o dia buscando soluções: pede ajuda a colegas, pensa em pedir favores, imagina alternativas e revisita lembranças, mas encontra sempre obstáculos e humilhações. O romance constrói, assim, um retrato da classe média baixa, marcada pela impotência e pelo medo constante da falência moral e financeira.
Ao longo da narrativa, a dívida com o leiteiro vai se transformando em um símbolo maior: não se trata apenas de dinheiro, mas da incapacidade do personagem de dominar sua própria vida, o que o torna refém das circunstâncias e da sociedade. O leiteiro, insistente e impiedoso, é a figura que representa a realidade implacável, cobrando o que o protagonista não consegue oferecer.
O romance é marcado pela técnica do fluxo de consciência, em que o leitor acompanha diretamente os pensamentos de Naziazeno. Essa escolha estilística aprofunda a sensação de sufocamento e ansiedade, permitindo que se perceba como a mente do personagem vai sendo consumida por pequenas preocupações que se avolumam de forma desproporcional.
Os ratos, metáfora central da obra, representam tanto a degradação material da vida urbana quanto a corrosão psicológica provocada pela miséria. Eles simbolizam o medo, a impotência e a perda da dignidade, roendo silenciosamente as esperanças do personagem, até que sua situação se torne insustentável.
Apesar da atmosfera sombria, Os Ratos também denuncia de maneira crítica as desigualdades sociais, mostrando como a pobreza cria um ciclo de desespero e submissão que aprisiona o indivíduo. Dyonelio Machado não oferece soluções fáceis: em vez disso, expõe a dureza da realidade e o vazio das ilusões.
A obra se destaca ainda pelo ritmo opressivo, que acompanha o passar das horas em paralelo à agonia de Naziazeno, criando uma tensão crescente que captura o leitor até o fim. O cotidiano banal ganha proporções dramáticas, revelando como, na vida dos pobres, qualquer pequeno problema pode se transformar em tragédia.
Assim, Os Ratos permanece atual e impactante, não apenas como um retrato da sociedade brasileira dos anos 1930, mas também como reflexão sobre a condição humana diante da precariedade, da solidão e da constante luta para sobreviver em um mundo que parece sempre cobrar mais do que se pode oferecer.