“De Olhos Bem Fechados”, do escritor austríaco Arthur Schnitzler, é um romance que explora os desejos, fantasias e as tensões psicológicas dentro de um casamento. Originalmente publicado em 1926 com o título “Traumnovelle” (Novela de Sonho), a obra mergulha nos meandros da psique humana, questionando o que é real e o que é ilusão ao abordar temas como infidelidade, desejo reprimido e o poder do subconsciente.
A história acompanha Fridolin, um médico vienense, e sua esposa, Albertina. No início do livro, os dois discutem sobre seus desejos sexuais e fantasias não realizadas. Albertina confessa que, durante uma viagem de férias, quase traiu o marido com um oficial naval que encontrou brevemente. Essa confissão abala Fridolin, desencadeando uma crise interna no protagonista. Ele passa a questionar a natureza do seu relacionamento e, movido por uma mistura de ciúme e desejo de experimentar suas próprias fantasias, embarca em uma jornada pela noite vienense.
Durante essa jornada, Fridolin encontra uma série de personagens enigmáticos e situações inusitadas. Ele passa por um bordel, se envolve com uma jovem prostituta, e finalmente é levado a uma misteriosa mansão, onde participa de uma orgia mascarada. Essa sequência de eventos, que mistura sonho e realidade, é um reflexo das profundezas dos desejos reprimidos do protagonista e do abismo psicológico em que ele se encontra.
A mansão, com suas figuras mascaradas e atmosfera ritualística, é um dos pontos altos da narrativa, funcionando como uma metáfora para as forças ocultas e desconhecidas que controlam nossas ações e pensamentos. A ideia de que Fridolin está “de olhos bem fechados” simboliza sua alienação em relação à sua própria vida, sua incapacidade de enxergar claramente seus próprios desejos e a realidade ao seu redor.
Ao longo do romance, o autor utiliza o tom onírico para entrelaçar as experiências de Fridolin com os seus medos mais profundos e as complexidades da mente humana. Os eventos da noite em questão parecem alternar entre o real e o imaginado, o que deixa o leitor em dúvida sobre o que de fato aconteceu e o que foi fruto da imaginação do protagonista. Essa ambiguidade é central para a obra, pois reflete o caráter fluido da psique e dos desejos.
Quando Fridolin retorna para casa, sua jornada termina, mas o impacto psicológico dos eventos da noite ainda persiste. Ele encontra Albertina dormindo e percebe que, enquanto ele estava fora, envolvido em aventuras perigosas e perturbadoras, sua esposa também sonhava. O sonho que ela narra no final do livro, que envolve sua própria infidelidade, reforça a ideia de que o desejo é algo inerente e reprimido em ambos, e que nenhum dos dois está imune a ele.
A obra termina em uma nota ambígua, com Fridolin e Albertina discutindo sobre o que fazer com as descobertas emocionais e psíquicas das últimas 24 horas. Eles chegam à conclusão de que, apesar das revelações dolorosas, a melhor solução é continuar juntos e enfrentar os desafios que suas fantasias e desejos apresentam.
Arthur Schnitzler, com sua experiência como médico e seu interesse pela psicanálise, especialmente pelas teorias de Sigmund Freud, traz para a obra uma rica análise das tensões sexuais e psicológicas. “De Olhos Bem Fechados” é, acima de tudo, um estudo sobre as complexidades das relações humanas, o papel das fantasias no casamento e o poder da mente subconsciente em moldar nossos comportamentos e escolhas.
O livro ganhou ainda mais notoriedade quando foi adaptado para o cinema em 1999, no filme “Eyes Wide Shut”, dirigido por Stanley Kubrick e estrelado por Tom Cruise e Nicole Kidman. Kubrick, assim como Schnitzler, manteve a ambiguidade do enredo e as nuances psicológicas da obra original, reforçando o tema dos desejos reprimidos e das tensões entre o consciente e o inconsciente.
Em suma, “De Olhos Bem Fechados” é uma obra que desafia o leitor a refletir sobre os limites entre sonho e realidade, a natureza do desejo e as verdades que muitas vezes preferimos não enxergar.