O livro A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, é uma narrativa provocativa e transgressora que faz parte da coleção “Plenos Pecados”, abordando o tema da luxúria. A obra é escrita em forma de um monólogo confessional de uma senhora de 68 anos que relata, sem censura, suas experiências sexuais ao longo da vida. Desde o início, o texto desafia tabus e convenções morais, propondo uma reflexão sobre liberdade, desejo e hipocrisia. A protagonista se apresenta como uma mulher que viveu intensamente, ignorando os padrões impostos.
O tom da narrativa é confessional, quase íntimo, como se o leitor fosse um cúmplice. A personagem fala diretamente com quem lê, quebrando a quarta parede e provocando com sarcasmo e ironia. Ela conta como, desde a juventude, descobriu o prazer e decidiu não abrir mão dele. Em um país e época marcados pela repressão, ela escolheu viver à margem, guiada por seu próprio código moral. Essa voz narrativa forte é uma das marcas mais impactantes do livro. A linguagem é direta, crua e por vezes poética.
João Ubaldo cria uma personagem que transita entre o escandaloso e o filosófico. A mulher não apenas descreve seus atos, mas também questiona os fundamentos da moral sexual. Ela critica a hipocrisia religiosa, os falsos moralismos e o papel submisso imposto às mulheres. Em meio a relatos explícitos, surgem reflexões sobre liberdade, prazer e autonomia. O erotismo, nesse sentido, é apenas uma camada de um discurso mais amplo. A obra trata, no fundo, de viver de forma autêntica.
O cenário principal é Salvador, cidade que serve como pano de fundo sensual e simbólico da narrativa. A Bahia descrita pela narradora é solar, carnal, religiosa e libertina ao mesmo tempo. O sincretismo cultural e religioso é um elemento recorrente, com os Budas do título simbolizando ironicamente a paz espiritual alcançada através do prazer terreno. A casa da narradora torna-se metáfora de liberdade e refúgio contra os julgamentos externos. A ambientação fortalece a identidade brasileira da obra.
A protagonista desafia o leitor o tempo inteiro a confrontar seus próprios preconceitos. Ela afirma que o pecado é uma invenção social para controlar corpos e desejos. Para ela, não existe vergonha no prazer — o que existe é a repressão que adoece e aliena. João Ubaldo, por meio dessa personagem ousada, coloca em debate o papel da mulher na sociedade patriarcal. Ao assumir sua sexualidade até o fim da vida, ela subverte o estereótipo da “velha recatada”. A velhice, aqui, não é sinônimo de recuo.
Apesar de controverso, o livro não é gratuito em sua exposição do erotismo. Tudo é construído com humor, inteligência e um domínio notável da linguagem. A sexualidade é apresentada como uma dimensão vital do ser humano, e não como algo vergonhoso ou marginal. O texto desafia convenções literárias ao tratar do erotismo com profundidade existencial. A crítica social está sempre presente, mesmo que embalada em relatos picantes. A escrita de Ubaldo é ao mesmo tempo provocadora e literariamente refinada.
A obra também pode ser lida como um grito de liberdade individual. A personagem representa todas as pessoas que foram silenciadas por convenções sociais ou religiosas. Ela escolheu viver por prazer, mas também por verdade, por recusa à hipocrisia. Há uma dimensão política em sua trajetória: viver o próprio corpo como ato de resistência. Essa mulher não pede desculpas por quem é. Seu relato, embora fictício, soa profundamente real e humano.