“A Chave de Casa”, romance de estreia de Tatiana Salem Levy, é uma narrativa profundamente pessoal e ao mesmo tempo coletiva, que transita entre a memória, a identidade e o pertencimento. A obra mistura elementos de ficção e autobiografia para contar a história de uma mulher que parte em uma jornada física e emocional em busca de suas origens.
A protagonista, narradora em primeira pessoa, é descendente de judeus sefarditas expulsos de Portugal durante a Inquisição. Sua família, após séculos de deslocamentos, passou pela Turquia e, mais recentemente, pelo Brasil. A história começa com a entrega de uma chave pelo avô, símbolo da casa da família em Esmirna, na Turquia — um lugar que ela nunca conheceu, mas que carrega um significado histórico e afetivo imenso.
Essa chave se torna o ponto de partida para uma viagem. Mais do que uma simples busca por um endereço físico, a protagonista mergulha em uma investigação íntima sobre quem ela é, confrontando a herança cultural, a história familiar e as marcas deixadas pelo exílio. A narrativa, não linear, alterna memórias de infância, relatos familiares e experiências presentes.
Durante o percurso, ela revisita momentos marcantes de sua vida: a relação com a mãe, a influência das tradições judaicas, as histórias transmitidas pelos avós e o peso das expectativas familiares. Cada recordação funciona como uma peça de um quebra-cabeça que precisa ser montado para compreender a própria identidade.
A viagem até a Turquia revela não apenas paisagens e ruas desconhecidas, mas também um sentimento ambíguo: o fascínio por um lugar que faz parte de sua história e, ao mesmo tempo, a estranheza de perceber que ele já não pertence verdadeiramente à sua família. A chave, nesse contexto, simboliza tanto a ligação com o passado quanto a impossibilidade de retomá-lo por completo.
Ao mesmo tempo, o livro também aborda questões universais como o pertencimento e a sensação de estar entre dois mundos — o das raízes e o da vida presente. A protagonista se vê dividida entre o desejo de se reconectar com a história de sua família e a consciência de que ela própria construiu uma trajetória distinta, marcada por escolhas próprias.
O texto de Tatiana Salem Levy é repleto de lirismo e introspecção, com passagens que refletem sobre o exílio, a diáspora judaica e o que significa “voltar” a um lugar que se conhece apenas pela memória dos outros. A narrativa convida o leitor a refletir sobre como a identidade se constrói não apenas com fatos, mas também com lembranças e imaginação.
No desenrolar da obra, a protagonista percebe que a chave não abre apenas portas físicas, mas também portas simbólicas — aquelas que dão acesso a sentimentos guardados, a histórias não contadas e a reconciliações internas. Sua busca acaba sendo menos sobre o resgate de um lar e mais sobre a compreensão de si mesma.
“A Chave de Casa” é, portanto, um romance que mistura memória, ficção e viagem para explorar o sentido de pertencimento. Tatiana Salem Levy constrói uma narrativa sensível e fragmentada, que mostra que voltar às origens não é apenas um ato geográfico, mas um mergulho profundo no que nos constitui como indivíduos.