“O Vento Assobiando nas Gruas”, romance da escritora portuguesa Lídia Jorge, é uma obra intensa que combina drama familiar, crítica social e reflexões sobre memória e afeto. Ambientado na região do Algarve, o livro constrói um enredo marcado por segredos, heranças e amores improváveis, tendo como pano de fundo as transformações econômicas e sociais de Portugal contemporâneo.
A protagonista, Milene Leandro, é uma jovem isolada do convívio social por conta de uma vida controlada pela mãe, Antónia Leandro, uma mulher autoritária e detentora de um grande patrimônio industrial. Após a morte repentina da mãe, Milene se vê pela primeira vez livre para explorar o mundo à sua volta. Essa liberdade a conduz até um terreno vizinho, habitado por uma família cabo-verdiana, os Mata.
Os Mata, migrantes que vivem em condições humildes, contrastam com o universo de riqueza e rigidez da família Leandro. Apesar das diferenças culturais e sociais, Milene cria laços profundos com eles, especialmente com Antonino Mata, por quem desenvolve um amor intenso. Esse relacionamento, no entanto, não é visto com bons olhos pela elite local, marcada pelo preconceito e pelo racismo velado.
A trama se intensifica quando questões de herança e propriedade entram em jogo. O terreno onde os Mata vivem é alvo de disputa judicial, envolvendo antigas relações comerciais e dívidas deixadas pela família Leandro. A revelação de segredos do passado — envolvendo negócios, traições e cumplicidade — expõe as feridas abertas tanto na história dos Leandro quanto na dos Mata.
O título do livro, “O Vento Assobiando nas Gruas”, remete às estruturas metálicas das antigas instalações industriais da família Leandro, hoje abandonadas. O som do vento que passa por essas gruas se torna uma metáfora para a passagem do tempo, para as memórias que insistem em permanecer e para os fantasmas de um passado que nunca foi completamente encerrado.
Lídia Jorge constrói a narrativa com um tom lírico e crítico, alternando momentos de introspecção e denúncia social. O romance aborda as tensões entre tradição e modernidade, a desigualdade social, o impacto da imigração e o peso das relações familiares. Ao mesmo tempo, investiga o poder do amor para romper barreiras aparentemente intransponíveis.
Milene, ao se aproximar dos Mata, não apenas desafia os preconceitos de sua classe social, mas também começa um processo de autodescoberta. Ela se vê obrigada a confrontar verdades dolorosas sobre sua mãe, sobre a origem da riqueza de sua família e sobre a hipocrisia que sustentava o status dos Leandro.
O relacionamento entre Milene e Antonino se torna o eixo emocional do romance, mas o livro vai além de uma história de amor: é também um retrato da luta pela dignidade e pela preservação da memória, em um espaço onde interesses econômicos tentam apagar vidas e histórias.
“O Vento Assobiando nas Gruas” é, assim, um romance de múltiplas camadas, que une crítica social e sensibilidade poética. Lídia Jorge oferece uma reflexão sobre pertencimento, resistência e sobre como os ventos do passado continuam a soprar, assobiando nas estruturas vazias, lembrando que há histórias que o tempo não consegue calar.