Publicado em 1890, A Fome é considerado o romance mais importante de Rodolfo Teófilo, médico, escritor e higienista cearense. A obra se insere no movimento naturalista brasileiro e tem como tema central a devastadora seca de 1877–1879, uma das maiores catástrofes do sertão nordestino, que deixou milhões de flagelados. O romance mistura denúncia social, observação científica e literatura, transformando-se em um testemunho pungente da miséria e da luta pela sobrevivência.
A narrativa se desenrola no sertão do Ceará e acompanha famílias de retirantes que, diante da perda das lavouras, da morte do gado e da falta de recursos, partem em busca de sobrevivência nas cidades. O autor descreve de forma minuciosa os efeitos da seca sobre a natureza: rios secos, terras rachadas, animais mortos e um ambiente hostil que parece conspirar contra a vida humana. Esse cenário serve como pano de fundo para a tragédia coletiva que se abate sobre os sertanejos.
Entre os personagens, destacam-se famílias anônimas, homens, mulheres e crianças que representam o drama coletivo da fome. Diferentemente de romances centrados em protagonistas individuais, A Fome dá voz ao sofrimento do povo em geral, transformando os retirantes em personagens-tipo, que simbolizam a miséria nordestina. Essa escolha reforça o caráter documental e social da obra, aproximando-a mais da denúncia política do que de uma narrativa ficcional convencional.
A seca é mostrada não apenas como fenômeno natural, mas também como consequência da negligência política. Rodolfo Teófilo critica duramente as elites locais e o governo imperial, que pouco fizeram para amenizar os efeitos da tragédia. As promessas de auxílio raramente se concretizavam, e os sertanejos ficavam à mercê da caridade, da exploração e da morte. O livro, assim, revela a dimensão política da catástrofe, apontando o descaso e a corrupção como cúmplices da fome.
O romance retrata com crueza cenas de desespero: crianças esqueléticas à beira da morte, mães incapazes de alimentar seus filhos, homens vagando sem destino em busca de água e trabalho. Há também episódios em que o limite humano é levado ao extremo, como quando retirantes recorrem a práticas degradantes para sobreviver. Esses momentos chocantes, típicos da estética naturalista, revelam o impacto psicológico e físico da fome sobre os indivíduos.
A cidade de Fortaleza é apresentada como destino dos retirantes, mas também como cenário de exclusão e preconceito. Os flagelados que chegam à capital são vistos como incômodos, tratados como ameaça à ordem social e empurrados para campos de concentração improvisados. Essa denúncia de Rodolfo Teófilo antecipa debates posteriores sobre políticas públicas e sobre a desigualdade que marca a relação entre litoral e sertão.
Apesar do tom predominantemente trágico, a obra também mostra lampejos de solidariedade, sobretudo entre os próprios pobres. Pequenos gestos de partilha e cuidado aparecem em contraste com a indiferença das elites, reforçando a ideia de que a verdadeira humanidade se manifesta nos que nada têm, mas ainda assim dividem o pouco que resta.
No desfecho, não há redenção ou final feliz. A fome persiste como realidade implacável, deixando um rastro de morte e desolação. Essa escolha narrativa reforça a intenção do autor de apresentar o problema em toda a sua gravidade, sem concessões ao sentimentalismo. A tragédia permanece aberta, como uma ferida coletiva que exige reflexão e ação social.
Assim, A Fome é mais do que um romance naturalista: é um documento histórico, uma denúncia social e um alerta atemporal. Rodolfo Teófilo, ao unir sua