“A República dos Sonhos”, de Nélida Piñon, é um romance monumental que narra a história de imigrantes galegos no Brasil, intercalando gerações e culturas. Publicado em 1984, a obra acompanha a trajetória de Eulálio, o patriarca da família, e seus descendentes ao longo de décadas, traçando um paralelo entre o processo de imigração, os sonhos de ascensão e a construção de uma nova vida em terras brasileiras.
Eulálio, ainda jovem, parte de sua terra natal na Galícia, Espanha, em busca de uma vida melhor no Brasil. Ele leva consigo não apenas a esperança de uma nova vida, mas também as memórias de sua terra e os laços familiares, especialmente com Madruga, seu avô, que o inspirou a sonhar e a ter coragem para deixar seu país. À medida que Eulálio se adapta ao novo país e tenta consolidar suas raízes, os desafios de ser estrangeiro e a constante lembrança da terra deixada para trás permanecem presentes em sua vida.
Ao longo do romance, o leitor é apresentado à luta de Eulálio para prosperar em um novo ambiente, tanto econômica quanto emocionalmente. A relação com sua esposa, Madruga, e sua filha, Breta, revela as tensões entre o desejo de manter tradições e a necessidade de se adaptar a uma nova realidade. Breta, por sua vez, simboliza a nova geração, nascida em solo brasileiro, que carrega tanto as heranças culturais de seus pais quanto a identidade de um país em constante transformação.
A estrutura do romance alterna entre passado e presente, misturando memórias com reflexões sobre o futuro. Essa narrativa complexa reflete a fragmentação da identidade dos personagens, que oscilam entre o apego às tradições e a urgência de construir um novo caminho. As memórias da Espanha e as novas experiências no Brasil são constantemente confrontadas, criando um rico mosaico de emoções, sonhos e frustrações.
A imigração, central na trama, é tratada de forma íntima, ressaltando o impacto emocional que o deslocamento provoca. Nélida Piñon explora o conceito de “sonhos” como algo que transcende fronteiras geográficas e culturais. A “República dos Sonhos” é, portanto, um espaço simbólico onde os personagens, em especial Eulálio, constroem e reconstroem suas identidades, enfrentando o peso das memórias e as incertezas do futuro.
Outro aspecto marcante do livro é a força das personagens femininas. Madruga e Breta são figuras complexas e multifacetadas, cujas vidas refletem as tensões entre o velho e o novo, entre o apego às tradições e a busca por autonomia e liberdade. Essas personagens femininas possuem uma força transformadora, que contrasta com o senso de imobilidade e nostalgia dos personagens masculinos.
Nélida Piñon constrói uma prosa rica e poética, que tece com habilidade os sentimentos de nostalgia, pertencimento e deslocamento. O romance não se limita apenas à história de uma família, mas é também uma reflexão sobre a formação da identidade cultural e pessoal no contexto de migrações e encontros de culturas. A busca por um lar, seja ele físico ou emocional, permeia toda a narrativa, criando um ambiente de saudade, mas também de esperança.
“A República dos Sonhos” é uma obra que trata de forma sensível e profunda a complexidade da condição humana diante da imigração e da formação de identidades híbridas. Nélida Piñon, com sua narrativa intricada e poética, nos oferece uma meditação sobre a memória, os laços familiares, a construção do eu e o papel que os sonhos desempenham em nossa vida. Através de seus personagens, o romance nos convida a refletir sobre o que significa pertencer, e como os sonhos moldam não apenas nossa visão de mundo, mas também nosso lugar nele.