“Morangos Mofados”, publicado em 1982, é uma coletânea de contos escrita por Caio Fernando Abreu, marcada por uma linguagem sensível, introspectiva e provocadora. A obra é dividida em três partes: “O Mofo”, “Os Morangos” e “Morangos Mofados”, explorando temas como solidão, desejo, morte, medo e liberdade num Brasil ainda oprimido pela ditadura.
Os contos apresentam personagens marginalizados, inquietos e muitas vezes anônimos, que transitam entre o medo e a esperança. São jovens, homossexuais, artistas, sonhadores e solitários que vivem em ambientes urbanos e opressivos. Essas figuras tentam resistir à desesperança através da arte, da afetividade e da imaginação.
Caio Fernando Abreu escreve com lirismo e tensão, misturando a poesia do cotidiano com uma profunda angústia existencial. Em “O Mofo”, o tom é de opressão e paralisia, com histórias que mostram a sensação de sufocamento físico e emocional, como se os personagens estivessem à beira do colapso.
Já em “Os Morangos”, há um tom mais luminoso, com contos que flertam com a possibilidade de afeto e redenção. Aqui, o autor explora a sensualidade, o amor e a beleza como formas de resistência, ainda que frágeis. Mesmo nesses momentos mais ternos, o medo do fracasso e da exclusão permanece.
Na terceira parte, “Morangos Mofados”, há um retorno à desesperança, marcada pela decadência dos sonhos. O título simboliza essa ambiguidade: os morangos representam o desejo, a beleza e o prazer; o mofo, a degradação, o tempo e a morte que contaminam tudo.
O estilo de Caio Fernando Abreu é marcado por uma prosa poética, carregada de metáforas, fragmentos e fluxos de consciência. Sua linguagem é íntima e confessional, criando uma ponte emocional entre o leitor e os personagens. Ele escreve com o coração exposto, como se cada conto fosse um desabafo ou um grito abafado.
O contexto político da época – a repressão da ditadura militar – também permeia os contos. A censura, o medo da perseguição e a sensação de viver em um país sufocado são constantes, mesmo que nunca ditos de forma direta. A opressão política se funde com a emocional, tornando-se quase indissociável.
“Morangos Mofados” é considerado um marco da literatura brasileira contemporânea, especialmente por dar visibilidade a personagens LGBT em uma época de invisibilidade e preconceito. Caio foi pioneiro ao falar abertamente sobre o desejo homoafetivo, sem clichês ou caricaturas, mas com dor, beleza e humanidade.
Ao final da leitura, fica a sensação de ter atravessado um terreno instável entre o amor e o medo. “Morangos Mofados” é, ao mesmo tempo, um livro sobre decadência e esperança. Caio Fernando Abreu nos lembra que, mesmo mofados, os morangos ainda guardam sua doçura — mesmo que por um instante.