“O Senhor Ventura”, romance póstumo de Lima Barreto, apresenta uma narrativa envolvente que retrata a jornada de um homem em busca de sentido em meio a uma sociedade marcada pela hipocrisia, pelo materialismo e pelas injustiças sociais. O livro, inacabado, carrega as marcas do estilo característico do autor: ironia fina, crítica ácida à elite e uma empatia profunda pelas camadas marginalizadas da sociedade.
O protagonista, Senhor Ventura, é um homem modesto, funcionário público e de hábitos simples. Sua trajetória é marcada pela introspecção e por uma visão desencantada do mundo. Desde o início, percebe-se sua dificuldade de se ajustar às exigências da sociedade carioca do início do século XX, onde a aparência vale mais do que o caráter.
Ventura é um sujeito que valoriza a honestidade, a moral e a sensatez, mas vive cercado por um mundo que privilegia o oportunismo, os privilégios e os falsos valores da elite. Isso o coloca constantemente em conflito com o ambiente ao seu redor, especialmente com seus colegas de trabalho e seus superiores hierárquicos.
O romance se desenvolve com base nos conflitos internos de Ventura, que busca conciliar seus princípios com a realidade dura da burocracia e da vida urbana. O personagem não é um herói clássico, mas um anti-herói que tenta resistir às pressões sociais, mesmo que isso o leve à frustração e ao isolamento.
Lima Barreto utiliza a figura de Ventura para questionar as estruturas do poder, o formalismo vazio das instituições e o descompasso entre mérito e ascensão social. Ventura vê os medíocres subirem, os bajuladores sendo premiados, enquanto os íntegros, como ele, são esquecidos e desprezados.
Ao mesmo tempo, o livro revela a solidão de Ventura. Sua integridade o afasta das pessoas, tornando-o uma figura incompreendida e solitária. Mesmo em seus momentos de lazer ou descanso, há uma melancolia que o acompanha, fruto da sua consciência crítica e da sensação constante de desalento.
A crítica à sociedade brasileira da época é incisiva: racismo, burocracia corrupta, desigualdade social e elitismo são temas recorrentes ao longo da narrativa. Lima Barreto pinta um retrato duro e verdadeiro do Brasil, utilizando a figura do Senhor Ventura como lente através da qual o leitor observa esse cenário desolador.
Apesar de inacabado, o romance mostra a maturidade literária de Lima Barreto, com reflexões filosóficas, traços autobiográficos e uma linguagem direta, porém elegante. O livro também tem momentos de humor sutil, ironia e sarcasmo que aliviam, sem esconder, a dureza da realidade retratada.
“O Senhor Ventura” é, acima de tudo, um retrato do homem comum diante de uma sociedade opressora. Um personagem que representa milhares de brasileiros anônimos, honestos, frustrados, mas resilientes. A obra reforça a genialidade de Lima Barreto em criar personagens verossímeis e denunciar com coragem os vícios do Brasil oficial e das elites do seu tempo.