“O Retrato do Velho”, de Lúcio Cardoso, é uma narrativa breve, porém intensa, que mergulha no interior de seus personagens, especialmente na figura de um velho marcado pelas memórias e pela solidão. O conto trata da relação entre o tempo, a identidade e os fantasmas do passado que permanecem vivos na mente e no coração.
A trama se desenvolve em torno de um velho que, à beira da morte, contempla seu próprio retrato. Não é apenas uma imagem física: o retrato representa sua juventude, suas escolhas e tudo aquilo que ele já foi e deixou de ser. O objeto passa a assumir quase um papel de personagem, ativando lembranças esquecidas ou reprimidas.
À medida que o velho observa o retrato, somos levados a um mergulho nas emoções humanas: arrependimentos, glórias passadas, amores perdidos, fracassos não digeridos. O retrato se torna uma espécie de espelho da alma, que revela mais do que esconde. Lúcio Cardoso trabalha essa transição entre o visível e o invisível com uma linguagem sutil e poética.
Há um conflito íntimo entre o homem que o velho foi e o homem que é agora. Ele questiona sua trajetória de vida, a autenticidade de seus afetos, e o sentido de suas escolhas. O retrato lhe serve como ponte para esses questionamentos — uma âncora que o prende ao passado e o impede de se reconciliar com o presente.
O conto carrega uma atmosfera melancólica e reflexiva, típica do estilo de Lúcio Cardoso, que valoriza a subjetividade e o drama interior. A narrativa não se apoia em grandes acontecimentos externos, mas em um processo de revelação silenciosa e dolorosa que ocorre dentro do protagonista.
O retrato, embora imóvel, parece emitir julgamentos. O velho se vê observado por sua própria imagem jovem, e essa sensação o consome. Ele se sente traído por sua memória, por aquilo que poderia ter sido e não foi. A juventude retratada não representa apenas o tempo, mas também as ilusões perdidas.
Ao longo da narrativa, a tensão aumenta entre aceitação e revolta. O velho oscila entre se entregar à resignação ou lutar contra a realidade da velhice e da morte. Lúcio Cardoso não dá respostas fáceis: ele apenas expõe a fragilidade humana diante do tempo que não volta.
No clímax da história, o velho é tomado por uma espécie de delírio ou epifania. Ele tenta, simbolicamente, romper com o retrato — talvez para negar sua finitude ou se libertar do peso das lembranças. Essa tentativa, no entanto, reforça a tragédia de sua condição: não há como escapar do que se foi.
Em sua conclusão, “O Retrato do Velho” deixa o leitor diante de um espelho: como lidamos com o tempo que passou? O conto é um retrato não apenas do personagem, mas de todos nós — seres divididos entre aquilo que lembramos e aquilo que somos. Lúcio Cardoso entrega uma obra delicada, densa e profundamente humana.