“O Homem Duplicado”, de José Saramago, é um romance que mergulha nas questões da identidade, da existência e da individualidade. A narrativa acompanha Tertuliano Máximo Afonso, um professor de história solitário e melancólico, que vive uma rotina sem grandes emoções. A trama tem início quando ele assiste a um filme recomendado por um colega e descobre algo inquietante: um ator secundário no filme é fisicamente idêntico a ele.
A partir dessa descoberta, Tertuliano se torna obcecado por saber quem é aquele homem que possui sua aparência exata. Ele começa uma investigação minuciosa, tentando encontrar informações sobre o ator, cujo nome artístico é Daniel Santa-Clara. Ao descobrir sua verdadeira identidade — António Claro — Tertuliano decide entrar em contato com ele, motivado por uma mistura de curiosidade e perturbação existencial.
Os dois finalmente se encontram, e o impacto da duplicidade é profundo para ambos. Enquanto se estudam mutuamente, as semelhanças físicas são tão perfeitas que se tornam perturbadoras. No entanto, a diferença de personalidades torna-se evidente: Tertuliano é introspectivo e racional, enquanto António é impulsivo e envolvido em aventuras amorosas.
A partir desse ponto, inicia-se um jogo psicológico entre os dois homens. António, movido por ciúmes e desconfiança, propõe uma troca de identidades temporária. Tertuliano recusa, mas António insiste e, sem o consentimento de Tertuliano, assume sua identidade e se envolve com Maria da Paz, a namorada do professor.
Tertuliano, ao descobrir o engano e suas consequências, é tomado por um sentimento de perda e indignação. Ele decide, então, vingar-se assumindo a identidade de António e inserindo-se na vida do outro homem, incluindo seu relacionamento com Helena, a esposa de António, que está grávida.
A narrativa conduz o leitor por uma reflexão angustiante sobre os limites do “eu”. Saramago desafia as noções tradicionais de individualidade ao apresentar dois homens idênticos que, mesmo sendo fisicamente iguais, possuem essências e decisões diferentes. O conflito entre eles representa também o embate entre razão e instinto.
O estilo característico de Saramago — frases longas, pontuação pouco convencional, fluxo de consciência — exige atenção do leitor, mas contribui para a imersão na mente dos personagens. A linguagem se torna, assim, parte da identidade da obra, reforçando a complexidade das ideias abordadas.
O desfecho é surpreendente e simbólico. Após a morte de António, Tertuliano parece assumir definitivamente sua identidade. Porém, o ciclo da duplicação recomeça quando ele recebe uma nova ligação enigmática de alguém que afirma ser seu duplo. A inquietação retorna, sugerindo que a duplicidade é uma condição humana permanente e inescapável.
“O Homem Duplicado” é uma obra provocadora sobre a busca por sentido, o medo da substituição e a fragilidade da identidade. José Saramago, com sua escrita inconfundível, transforma uma premissa fantástica em uma profunda meditação sobre o ser humano contemporâneo.