O livro Menino de Engenho, de José Lins do Rego, é narrado em primeira pessoa por Carlos, um menino órfão que vai morar no engenho Santa Rosa, de propriedade do avô materno. A história se passa no início do século XX, no interior da Paraíba, e retrata a infância do protagonista em meio à vida rural. Carlos é enviado ao engenho após a morte da mãe e a internação do pai por um crime passional. A mudança representa o início de sua vivência com os costumes da aristocracia rural nordestina.
Ao chegar no engenho, Carlos se depara com um ambiente marcado por hierarquias sociais, racismo e uma estrutura patriarcal rígida. O avô, Coronel José Paulino, é uma figura autoritária e representa o poder dos senhores de engenho. A infância do menino é dividida entre a liberdade do campo e os conflitos de uma sociedade desigual. Ele presencia o trabalho escravo disfarçado, a submissão dos empregados e o desprezo pelas camadas mais pobres.
A obra destaca a formação moral e afetiva de Carlos em meio a esse ambiente conservador. O protagonista cresce observando comportamentos contraditórios: a religiosidade e a violência, o carinho e a repressão, o luxo e a miséria. O livro evidencia como essas experiências moldam sua visão de mundo. A inocência da infância contrasta com a dureza das relações sociais.
Carlos também desenvolve uma consciência crítica ao longo da narrativa, ainda que de forma sutil. Suas observações sobre os personagens ao redor — como os tios, os empregados e os agregados — revelam uma percepção aguçada das injustiças sociais. A convivência com o primo Ledu e outras crianças também mostra o aprendizado das regras sociais locais. A sexualidade desperta cedo, influenciada pelo ambiente libertino e permissivo.
O engenho, embora represente conforto e estabilidade, também simboliza um mundo em declínio. A decadência dos engenhos e da aristocracia açucareira aparece como pano de fundo histórico. A modernização e as mudanças sociais começam a ameaçar esse modo de vida tradicional. José Lins do Rego retrata esse declínio com nostalgia e crítica, revelando a transição entre dois tempos.
A linguagem do autor é marcada pela simplicidade e lirismo, reforçando o tom memorialista da obra. O narrador mistura lembranças pessoais com reflexões sobre o passado, criando uma atmosfera intimista. A natureza nordestina é descrita com riqueza de detalhes, tornando-se quase um personagem. As emoções do menino são expressas de forma sensível e poética, aproximando o leitor da experiência vivida.
O romance é considerado um marco do ciclo da cana-de-açúcar na literatura brasileira. Menino de Engenho é o primeiro livro de uma série que retrata a decadência do sistema patriarcal no Nordeste. José Lins do Rego insere elementos autobiográficos na obra, tornando-a ainda mais verossímil. O autor constrói uma narrativa onde memória e ficção se fundem para retratar um Brasil em transformação.
Ao final, Carlos é enviado para estudar na cidade, encerrando sua infância no engenho. Esse momento marca uma ruptura: a saída do espaço rural para o urbano, o abandono da infância para a adolescência. O livro termina com uma sensação de perda e amadurecimento. A narrativa, embora centrada na infância, aponta para os conflitos que continuarão a acompanhar o protagonista. José Lins do Rego constrói, assim, uma obra que vai além da memória pessoal e alcança dimensões sociais e históricas.